Não, a corrida não foi chata – há coisas além da planilha de Excel que é a classificação final
Muito, muito raramente pretendo escrever sobre Fórmula 1 aqui neste blog. Fiz isso quando do 1º de Maio – por razões que você imagina – e ao fazer review do videogame da modalidade como faço de outros esportes. Não tenho qualquer pretensão, frise-se, de cobrir a categoria como jornalista profissional.
Escrevo este texto de maneira personalíssima e no mesmo nível e patamar de qualquer fã de automobilismo. Ou seja: é uma conversa minha com você. Só isso.
A ideia de escrever este texto veio ao abrir os comentários deste post no Instagram da ESPN. Em sua maioria, frases como “perdeu a graça”, “ganhou porque tinha o melhor carro” e o clássico “A Fórmula 1 não é mais legal desde que o Senna morreu”. Não julgo esse tipo de comentário. A um olho nu, eles fazem sentido. Afinal, se assistirmos às corridas apenas pela classificação, é o mesmo que assistir a uma planilha de Excel sendo preenchida por uma hora e meia.
Se adicionamos narrativas e uma pitada do elemento humano, a coisa muda de figura. É esse outro ponto de vista que eu estou tentando dar aqui e espero convencer alguém. Se o fizer com uma – e apenas uma pessoa – estarei por contente.
Primeiro de tudo, é óbvio que o carro da Mercedes é o melhor. Mas, da mesma forma – e em analogia que eu possa entrar em contato com o grosso do público aqui do blog – o San Francisco 49ers também tinha o melhor elenco no Super Bowl LIV. Foi a magia de Pat Mahomes, naquela terceira descida, que fez a coisa pesar em favor de Kansas City.
De maneira análoga, foi a magia de Lewis Hamilton, no terceiro setor da pista da Catalunha, que fez as coisas penderem em favor da Mercedes. Explico; Ao pular para a segunda posição na largada, Max Verstappen sabia que virtualmente poderia ser mais rápido que Hamilton no primeiro e no segundo setor.
O problema é que no terceiro, Max colaria no inglês, veria seus pneus desgastarem e a probabilidade de ultrapassagem reduzida na medida em que justamente nesse terceiro setor havia um Hamilton que se necessário forçaria o carro. Inclusive, ao comentar a prova, Luciano Burti chamou atenção para justamente isso.
Essa é a primeira parte do ingrediente que falei, o qual tempera a corrida para além da classificação ou da planilha de Excel. Ou da manchete que você vai ver nos jornais sobre quem ganhou a corrida.
Lewis não ganhou só e apenas porque tinha o melhor carro. Mas, sim, porque manteve o melhor carro. Economizar o equipamento – sobretudo no ardente calor que fazia em Barcelona – seria essencial para a Mercedes não tomar baile de Max e da Red Bull como acontecera semana passada. E certamente não seria uma missão fácil, como não o foi.
É nesse ponto que o brilhantismo de Hamilton, o melhor piloto de sua geração, entra na pista. Afinal, Valtteri Bottas tem o mesmo equipamento e não fez bonito no Grande Prêmio da Espanha. Largou mal e não conseguiu ameaçar Max em praticamente nenhum momento.
A parte da estratégia
A olhos nus e acompanhando apenas a planilha do Excel ou o resultado da prova, que seja, a parte interessante que reside na estratégia de troca de pneus acaba ficando de lado. Com o calor infernal que fazia, as equipes teriam graves problemas na administração dos pneus. O macio desgastaria rápido. O médio era uma incógnita. O duro, que em tese renderia mais, tinha pouca aderência.
Alexander Albon foi a cobaia da Red Bull em meio a reclamações via rádio de um Verstappen sem pneus. Parou primeiro e arriscou com os compostos duros. Não deu certo – tomou volta e terminou apenas em oitavo lugar. Após poucas voltas, aliás, a Red Bull optou por chamar Max e ele foi de médios.
O holandês parou antes de Hamilton, que fez magia ao economizar seu pneu macio para dar uma perna menor aos médios após a primeira parada. Com isso, a corrida caminhou para as mãos do inglês rumo ao recorde de Schumacher – tanto o de vitórias, quanto o de campeonatos. Não foi apenas porque “Hamilton tinha o melhor carro”. Eu te garanto que vários pilotos do grid não conseguiriam fazer o mesmo.
A parte humana
Há um elemento bem-explorado na série “Pilotar para Sobreviver”, da NetFlix. A parte humana da Fórmula 1. Quando a gente vê aqueles carros maravilhoso com o auge da tecnologia do esporte a motor, às vezes esquece dos dramas pessoais que os pilotos vivem, as pressões que sofrem e que eles acabam sendo humanos.
Albon está com o cockpit quente e não era por conta do sol do verão espanhol. Seu desempenho como companheiro de equipe de Verstappen deixa a desejar – sobretudo quanto ao ritmo de corrida. Tomar volta hoje colocou sua permanência na Red Bull ainda mais sobre ameaça. Até porque o cara que ele substituiu – e que foi “rebaixado” para a Toro Rosso/Alpha Tauri – Pierre Gasly, conseguiu classificar entre os 10 primeiros no sábado e é uma ameaça. Alguns apontam Gasly como melhor piloto, inclusive. Até que ponto a (pequena) paciência da Red Bull vai?
Por fim, Vettel. O tetracampeão está sem equipe para 2021 e passou vergonha no sábado ao não se classificar entre os 10 primeiros e não disputar o Q3. O alemão está tomando paulada de Charles Leclerc praticamente o ano todo. Um tanto quanto surreal em termos de narrativa se pensarmos que ele brigava por títulos há dois anos.
Hoje, devagar e de mansinho, Vettel chegou em sétimo e foi eleito o piloto do dia em votação popular que a Liberty Media/F1 faz em seu site. Dá uma moral a mais para a segunda metade do campeonato – e melhora sua cotação em eventuais conversas com a Racing Point (futura Aston Martin).
Como se vê, podemos limitar os olhos a quem ganhou ou perdeu ou, com um pouquinho de vontade e atenção, perceber que o esporte a motor tem narrativas ricas em estratégias e histórias. Ah, mas a Fórmula 1 tá chata! Na verdade, você talvez nunca tenha percebido, mas o que as Mercedes fazem hoje a McLaren fazia em 1988, ao vencer todas as corridas do campeonato menos uma. A diferença é que a bandeira no alto do pódio era verde-amarela. Fora isso, não mudou nada.
Continua óleo, suor e lágrimas.
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Não, a corrida não foi chata – há coisas além da planilha de Excel que é a classificação final
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