Ter feito uma série sobre assédio nos tatames mudou a minha vida
Em março de 2017 fiz algo que não esperava que mudaria minha vida para sempre: uma série sobre assédio nos tatames. Algo delicado de ser dito, que eu sabia que podia me acarretar coisas positivas, mas negativas também e que eu nunca tinha visto ser abordado.
Foi o que aconteceu. Há pouco mais de dois anos, quando decidi ‘pagar o preço’ independentemente do que pudesse vir a acontecer, eu lancei a série dividida em cinco partes. Para que ela saísse do papel, eu fiz uma pesquisa com mulheres do meio, totalmente anônima, e obtive mais de 250 respostas. O resultado foi triste. E por conta disso, eu demorei ainda mais para conseguir publicar.
Comecei a pesquisar no final de 2016 e botei no ar só uns 3 meses depois. Eu quase desisti. Eu recebi depoimentos chocantes. Uns de mulheres abusadas quando crianças, outros que eu consegui identificar de onde vinham, alguns que eu nunca esperava ouvir. Eu tive que digerir tudo aquilo e pensar em como levar para frente. E aqui está!
Assédio nos tatames (parte 1) – Introdução
Assédio nos tatames (parte 2): A culpa não é da mulher
Assédio nos tatames (parte 3): Dentro ou fora?
Assédio nos tatames (parte 4): Também pode ser moral
Assédio nos tatames (parte final): Como e para quem reportar?
Eu não precisei falar sobre absolutamente nada pessoal ali, porque não era um depoimento meu. Era uma pesquisa, com dados, números – o que mostrava que aquele comportamento dentro do tatame, cometido por pessoas se aproveitando de seu poder ou submissão que o jiu-jitsu pode proporcionar, era completamente normal. Isso foi primordial para que a minha série tivesse credibilidade. Eu não estava opinando ou querendo ‘dar o troco’ por já ter passado pela situação, mas estava mostrando com dados o quanto isso era normalizado e que precisávamos levar para frente e mudar essa situação.
Decidi falar sobre isso novamente porque UOL lançou uma série sobre o mesmo assunto e isso mexeu bastante comigo. Mas o que quero destacar é que me deixou muito feliz (apesar da situação) ver que as pessoas estão olhando mais para esse lado e, mais do que isso, que as mulheres estão se encorajando a falar sobre sem medo das consequências ruins que podem sofrer.
A ideia da série (“Vozes no tatame”) é que as mulheres ‘deem a cara a tapa’ e usem a hashtag #QueroLutarEmPaz para expor situações de assédio que sofreram no meio das artes marciais.
Eu digo com toda certeza que a série que escrevi em 2017 mudou minha vida porque, de fato, ela mudou. Ela mudou minha maneira de ver o mundo, ela me fez lutar mais pelas causas que acredito. Ela me fez ser uma pessoa mais tolerante, tanto com homens quanto com mulheres. Me fez ter paciência de sentar e conversar com meus amigos de treino ou professores sobre o que me incomoda ou então, de levar para frente alguma situação de alguém que convive comigo.
E me fez estender a mão para as mulheres cada vez mais para que elas saibam que podem contar comigo e com muitas outras para superar esse tipo de situação. Hoje, comandando uma turma feminina de jiu-jitsu, por exemplo, vejo o quanto é importante ter diálogo com elas para que se sintam à vontade em me reportar qualquer coisa do tipo, bem como se sintam tranquilas de estarem ali, entre mulheres que se entendem e se respeitam - e homens também, no treino misto, o que é uma premissa dentro da minha equipe: respeito e caráter.
A série me alertou para coisas que eu mesma já sofri. Me acarretou uma mudança de equipe que, sem dúvida alguma, foi uma das melhores decisões que tomei na minha vida. Me trouxe apoio mesmo que eu nunca tenha falado nada sobre minha pessoa ali e me fez acreditar ainda mais que devemos lutar até o fim – dentro e fora dos tatames.
Algumas pessoas me procuraram para parabenizar, outras para me agradecer, outras para palestrar, algumas outras ainda para me contar que viram minha pesquisa citada em algum lugar. Mulheres que passaram pela situação se fortaleceram a deixarem suas equipes e contarem suas histórias. Apesar da pesquisa ter sido anônima, algumas me deixaram contato e me pediram uma conversa e eu fiz questão de chamar cada uma delas. Vai que seja minha missão na terra :)
Também tive problemas, conversas tensas com pessoas que discordaram, perdi algumas amizades próximas que gostava muito... Nem tudo são flores – bem como o motivo que me fez escrever a série.
Eu sempre estive muito envolvida com mulheres do jiu-jitsu e, por conta disso, eu ouvia muitos relatos. Esse foi o primeiro motivo pelo qual eu optei por escrever a minha série. Eu precisava dar uma voz para aquelas mulheres que se sentiam coagidas. Eu espero tê-las ajudado.
Depois que publiquei, também recebi alguns questionamentos: mas e você, Mayara?
Eu não gosto de explanar minhas situações pessoais para o mundo. Afinal, apesar de ser o meu blog, o meu trabalho foi jornalístico. Mas 'e eu' posso dizer que quando tinha 13 anos, um ex-colega de treino dominou uma posição durante a luta e me lascou um beijo na bochecha – me pediu desculpas e disse que ‘não aguentou’ – ele já era maior de idade.
'E eu' posso dizer que um ex-colega de equipe, quando eu tinha 14 anos, me chamou depois de ter me visto lutando com um cara, para ‘me aconselhar’ que eu não treinasse com ele por ter percebido que estava com más intenções comigo.
'E eu' posso dizer que, não mais criança, precisei driblar comentários maldosos de um ex-professor com muito jogo de cintura para não ser taxada de louca dentro da academia. Pessoas já viram, pessoas sabiam, pessoas falavam comigo sobre o assunto, pessoas relatavam situações que já tinham passado... Mas ninguém se propôs a me ajudar nessa. Sozinha é mais difícil, né?
Portanto, a repercussão do assunto é extremamente importante. Só repercutindo as mulheres terão coragem de falar, anonimamente ou não. Só juntas vamos conseguir, cada vez mais, diminuir os casos. E só falando os homens também vão poder entender a gravidade do problema e entrar nessa com a gente.
Obrigada por terem levado a ideia para frente. Obrigada por se posicionarem também. E força, a cada uma que já passou por cada tipo de situação e parabéns, pela coragem de não terem medo de dar a cara a tapa.
Ter feito uma série sobre assédio nos tatames mudou a minha vida
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