Sensação do Paulista, inimigo do chutão ama psicologia e receita 'pureza para jogar bola'

Vladimir Bianchini, do ESPN.com.br
Mauro Horita/Agif/Gazeta Press
Fernando Diniz Tecnico Audax Corinthians Campeonato Paulista 04/02/2016
O Osasco Audax faz grande campanha neste Campeonato Paulista

Quem vê Fernando Diniz quase sempre nervoso no banco de reservas não imagina que o treinador é um amante da psicologia. Durante anos, quando ainda era jogador, ele fez terapia para se conhecer melhor e logo após pendurar as chuteiras cursou a faculdade até o final. Fora dos campos, é um sujeito de fala mansa, pai de quatro filhos, leitor de biografias e que adora contar histórias.

Pelo terceiro ano seguido na elite do Campeonato Paulista no comando Grêmio Osasco Audax, ele enfrentará o São Paulo nas quartas de final após bater na trave nas competições anteriores. Desde 2009, quando começou no extinto Votoraty, o treinador já implantou seu estilo diferente de jogo.

"A ideia é que todos jogassem futebol e curtissem, de certa forma resgatasse essa pureza de jogar bola", disse Diniz, ao ESPN.com.br.

A busca pela beleza no jogo é refletida nos números. Neste torneio, seu time terminou na liderança do Grupo C com 24 pontos com a melhor média de passes, são 531 certos por jogo. Menor média de faltas, com 11,5 por partida. Não teve sequer um jogador expulso e recebeu apenas 23 cartões amarelos, atrás apenas do Corinthians.

O ex-jogador de futsal da General Motors de São Caetano que se profissionalizou nos campos pelo Juventus-SP, finalmente se encontrou. Mesmo tendo atuado por grandes equipes como Santos, Palmeiras, Corinthians, Cruzeiro, Fluminense e Flamengo, Diniz nunca se realizou plenamente.

"Sou muito mais feliz como técnico do que como jogador. Nunca achei a minha verdadeira posição, atuava como meia mais avançado, mas não entrava na área e nem fazia gol. Se fosse meu técnico me transformaria em um volante. Outro problema: eu não tinha o perfil psicológico porque eu pensava demais e o atacante não pensa muito, ele faz", analisou.

Aos 42 anos, Fernando Diniz fala sobre a vida fora dos campos, explica como criou seu sistema de jogo e como um jogador individualista do futsal virou um técnico tão preocupado com o lado humano dos atletas.

CONFIRA NA ÍNTEGRA A ENTREVISTA

Você chegou a jogar futsal até mesmo profissionalmente na General Motors de São Caetano. Como foi essa transição para os gramados?

Eu comecei primeiro no salão com 10 anos e com 11 no campo. Até os 18 anos pra 19 levei as duas modalidades ao mesmo tempo. Quando me profissionalizei no Juventus no começo dos anos 90 só podia jogar campo, mas segurei essa decisão ao máximo. Era amador no salão, mas cheguei a atuar em alguns torneios profissionais. Foi uma janela que mantive aberta. Eu era melhor jogador mesmo no salão do que campo. Sempre soube que queria o campo porque o desafio era maior e era meu sonho.

Como o futsal te influenciou como jogador e treinador?

Acho que deve ter contribuído, mas parei faz 25 anos. Era juvenil, mas jogava no principal. É um jogo mais tático do que o campo, os jogadores na minha época precisavam achar espaços aonde não tinham. Os campos eram menores e mais táticos. Eu era um jogador de drible e individualista no salão. Tinha muito padrão de movimentos de jogadas ensaiadas, acredito que isso me influenciou, algo mais sutil.

Você me disse uma vez que nunca achou sua posição correta como jogador de futebol. Era uma camisa 10 que não entrava na área e nem fazia gols. Como você deveria ter jogado?

Eu se fosse meu treinador eu seria volante. Eu tinha qualidade técnica e habilidade por causa do salão por jogar em espaços curtos. Todo mundo achou que isso seria suficiente para ser um meia atacante. Para mim, um cara que joga nessa posição precisa ter uma qualidade grande pra poder antecipar os movimentos dos zagueiros, colocar os companheiros na cara do gol e bater de fora de área. Em suma, que façam gols, mas eu nunca fiz muitos. Eu driblava bem e protegia a bola, além de marcar muito bem, coisa que gostava. Outra coisa mais de perfil psicológico: eu pensava demais e o atacante não pensa muito, ele faz. Ele antecipa, é uma coisa de inspiração. Precisa jogar mais relaxado, ele perde o gol não vai ficar pensando. Ele perde uma e está pronto para ir lá e fazer na próxima. Ele precisa ter um outro perfil de comportamento. A decisão deles é tomada de uma forma mais rápida.

Como foi a decisão de virar treinador?

Nos últimos dois anos de carreira eu pensava em ser treinador, parei como jogador no meio de 2008 e já comecei a faculdade de psicologia. No meio de janeiro comecei minha carreira sem estágio nem nada. Foi tudo muito rápido, algumas coisas na vida a gente não consegue explicar. Um grupo de investidores do Olé Brasil de Ribeirão Preto comprou no meio de janeiro o Votoraty que disputava a Série A3 do Paulista. O Vágner Mancini, que é meu amigo, viu em mim o potencial e me indicou ao cargo. Em 15 dias o campeonato ia começar e não tínhamos nem time. O objetivo era não cair, mas subimos para a A2 e vencemos depois a Copa Paulista no mesmo ano.

Mesmos sem experiência como técnico, quando você foi comandar o Votoraty já sabia que seu time iria jogar daquela forma?

A minha ideia inicial era de que os jogadores iriam jogar bem, não iriam rifar a bola. Isso estava muito forte em mim. Eu pensava demais no jogo e no comportamento das pessoas e até sofria mais do que os outros, queria achar solução para tudo. Em alguma medida isso me prejudicava como jogador e me ajuda muito como treinador. Eu não tinha uma inspiração em algum técnico ou time específico, queria que meus times jogassem como os grandes jogadores que eu tinha visto ao longo da minha infância.

No fundo queria todo mundo fosse assim. A ideia é que todos jogassem futebol e curtissem, de certa forma resgatasse essa pureza de jogar bola. Isso como uma coisa mais solta, mas o que acontece é ao contrário. Para fazer isso precisa trabalhar muito e exige dedicação com repetições para que possam criar um número suficiente de espaços no campo. Os jogadores precisam se encontrar e curtirem jogar futebol de novo. 

Tem muita coisa que fiz lá no Votoraty que é parecida com a essência do que é feito hoje. Claro que com adversários melhores a gente precisa criar mais novas alternativas de jogo. Temos que ter mobilidade, condições fiicas e jogadores comprometidos com o que é proposto.

Qual o motivo de você ter feito psicologia?

Eu sempre quis ter estudo formal em alguma disciplina. Aos 17 anos terminei o colegial e passei em educação física, mas não consegui fazer porque jogava salão e campo ao mesmo tempo. Assim que virei jogador só de campo fiz um ano de ciências biológicas, mas tive que largar depois que fui para o Guarani, em Campinas. Assim que terminei de jogar, em 2008, comecei a faculdade de psicologia e fiz até o final.

O que isso te ajuda como treinador?

O curso fiz porque eu gosto, se não fosse treinador trabalharia como psicólogo. Tenho muita identificação. Mas não dá pra te afirmar como isso. O que me ajudou muito foi ter feito terapia por muito tempo, antes até da faculdade. Eu aprendi mais assim até do que na faculdade. Você se conhecendo tem mais facilidade pra ajudar aos outros. Pode ser que com o estudo formal da psicologia tenha alguma coisa que tenha mais entendimentoda parte técnica da coisa.

Você já disse que é mais feliz como técnico do que foi como jogador. Qual a razão?

O meu perfil psicológico se encaixa muito mais como treinador do que como jogador. O atleta é sempre tratado mais como um objeto. Ele não é respeitado como pessoa. Muitas vezes as pessoas confundem um jogador que joga mal com uma má pessoa. O cara não tem muita voz para falar, dar a opinião dele sobre o trabalho. É algo mecânico, precisa executar o trabalho bem e fazer gol. Eu odiava ser tratado dessa forma. Tinham pessoas que eram talentosas, mas que transgrediam todas as normas e eram tratadas como se fossem exemplos. Outros eram trabalhadores pra caramba e se não jogava bem era mal tratado como jogador e pessoa. Meu trabalho passa por isso, respeitar o jogador como pessoa. Se consigo melhorar o cara como jogador, ele pode ter um senso de coletividade maior, contribuir mais para o time e vai ter uma vida social melhor.

Por ter passado por isso você tem uma identificação maior com seus jogadores?

Com certeza. É uma luta diária, todos tem seu lado de vaidade e de preguiça. Mas procuro dar um entendimento maior delas mesma e se encaixem na própria vida porque o futebol é transitório. É uma montanha-russa e acaba rápido demais, com 35 anos em média. Depois vivem mais 45 anos e aí? A gente sabe que a maioria dos jogadores vêm de uma classe social muito prejudicada.

Eles precisariam ter um suporte maior como ser humano e eu me preocupo com isso. Eu procuro fazer um trabalho de gente que se preocupa com gente. Estou sempre falando com eles e digo que o futebol é muito ingrato, que premia uma minoria e coloca à margem uma maioria.  Futebol não so clube grande de primeira divisão. Tem caras que param de jogar e não tem nada, não tiveram como estudar outra profissão. Um cara que tem talento se você consegue ajudar ele vira uma pessoa melhor.

Você é um cara perfeccionista e isso te ajuda a ser treinador?

Não me considero perfeccionista. Eu sempre estou pensado em fazer melhor, mas tenho minhas limitações como ser humano. Você de tanto pensar não consegue atingir o objetivo máximo, mas consegue encontrar outras soluções. Eu me sinto muito feliz, ao contrário do que vivi como atleta, eu dou mais voz aos meus jogadores.

Tem atletas que estão comigo faz cinco anos e mesmo quando vão para outros times maiores acabam voltando para trabalhar comigo. Minha vida é de dedicação aos jogadores porque eles fazem o espetáculo e são os principais atores. Eu gosto de criar coisas novas e que os jogadores se sintam bem jogando. Eles são meus grandes parceiros, tudo que faço é com os jogadores, novas formas de marcar e outros padrões de movimetno. Eles sempre colaboram e conversamos muito tanto individualmente e com o grupo.

Você é um cara obsessivo por futebol igual ao Guardiola mesmo tendo quatro filhos? Como é o futebol na sua vida fora dos campos?

Tenho muita sorte de ter uma esposa maravilhosa, com um casamento muito sólido há 16 anos e temos quatro filhos. São três meninos e a caçula é menina. Os moleques têm 14, 10 e 6 anos e todos já jogam futebol no Juventus-SP. Eu respiro futebol o dia inteiro, mas não é uma coisa pesada ou obsessiva, ao contrário. Eu vivo super bem, gosto de ler coisa de psicologia, filosofia, biografias, romances, literatura e filmes.

Futebol está sempre respirando em mim, mas a cabeça está mais arejada com outros interesses que tenho. Não faço força, ao contrário, é uma coisa inata. Eu acordo cedo, dou café para os meus filhos e os levo pra escola. Sou participativo quando posso por causa da profissão. Gosto muito dessa vida de pai e me faz muito bem. Nunca desligo do futebol, mas quando faço outras coisas é bom porque te dá um relaxamento. É bom para novas ideias surgirem.

Nos anos anteriores você bateu na trave na classificação. O que você acha que as coisas mudaram nesse ano para ter conquistado a vaga forma antecipada?

É difícil apontar um elemento. O conteúdo do jogo não mudou tanto, mas conseguimos mais resultados esse ano. Conseguimos talvez um clube mais sólido e jogadores mais amadurecidos, com mais confiança. Eu fui ao Paraná e voltei, o clube deu uma respirada sem mim e todo mundo se juntou. Acho que são vários fatores importantes. As pessoas analisam muito o resultado, mas poderíamos estar jogando tão bem e não estarmos classificados. É um problema sério do futebol só olhar isso. A análise do resultado às vezes mancha a análise de desempenho. Nós também estamos jogando bem. A cada ano procuro melhorar. Estamos com um jeito mais aberto de jogar, os jogadores ocupam o campo de uma forma melhor e isso abre mais possibilidades de crescimento. Eles ficam mais criativos e agressivos, tomam mais riscos. Este ano estamos colhendo frutos da evolução do trabalho de anos.

Como foi a questão da saída do Rodrigo Andrade? Ele era o artilheiro do Paulista e foi dispensado pelo clube

Eu acho que o Campeonato foi muito bom para o Rodrigo e para o Audax enquanto ele esteve aqui. Mas teve um momento que precisamos fazer a cisão. Foi melhor para o time e para ele. Naquele momento eu protegi o time e a coisa foi feita de forma equilibrada. Não foi uma atitude de ter mais ou menos resultado. A coisa se explicava por si só. Ele conseguiu se valorizar, foi para a série A do Brasileiro e o time conseguiu andar bem, está tudo certo.

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