Ex-moradora de rua, Ana Luiza Garcez se tornou maratonista Reprodução/Instagram

Ana Luiza Garcez viu, pela vitrine de uma loja, o filme Carruagens de Fogo, em que dois corredores decidem competir nos Jogos Olímpicos de Paris-1924 para superar desafios pessoais. Foi então que a moradora de rua acreditou que também poderia se arriscar no esporte. Afinal, estava acostumada a correra, fugindo da polícia para não ser presa. Abandonada pela mãe quando nasceu, viveu mais de 10 anos em meio a drogas e crimes e, hoje, coleciona títulos e recordes.

São mais de 500 medalhas e 1h27 de meia maratona, tempo próximo ao de atletas de alto nível. Talvez, porque ela conheça a rua como ninguém. Sua mãe a colocou em uma caixa de sapato junto com sua irmã gêmea. As duas cresceram na antiga Febem. “Não tive carinho. Fiz xixi na cama por anos e apanhava muito lá. Diziam que eu era burra. Quando fiz 18 anos, precisei sair”, contou ao espnW.

Conseguiram para Ana um emprego como doméstica na casa de uma senhora. Mas a vida fora do orfanato lhe deu a primeira rasteira. E ela passou a dar rasteira nos outros. “A patroa não me pagou nunca. Trabalhei de graça por seis meses. Então, roubei tudo dela...comida, sapato, roupa. E fugi.”

Ana Luiza foi morar nas ruas do centro de São Paulo. Roubava e usava drogas – cola, para tirar a sensação de fome e frio, depois maconha, heroína e cocaína na veia. Invadia casas, tomava banho e, com o que roubava, fazia comida para as crianças em lata, colocando fogo em paus de madeira. Depois de quase ser estuprada algumas vezes, passou a se vestir de homem. E apanhou muito da polícia.

Conhecida como Tia Punk pelos meninos de quem tomava conta, Ana viu um jovem de 13 anos matar outro de 15 por cobrança de droga. Certa vez, dedurou policiais que tentaram estuprar meninas e foi ameaçada de morte. Precisou passar um tempo em Brasília. Foi quando voltou à maior metrópole do país que sua vida mudou.

“Estava na rua, enrolada em um cobertor. Tinha roubado muito naquele dia. E vi o filme na vitrine da loja. Pensei: aprendi a correr, fugindo da polícia para não ser presa. Se eu corro da polícia, porque não posso correr por esporte? Então pedi para uns meninos roubarem tênis, meia, shorts e camiseta e me inscrevi na Maratona Internacional de São Paulo.”

Mas Ana não fazia ideia da distância. Achava que eram 5 km de prova. “Quase morri de dor e cansaço. Demorei seis horas para completar e fui a última a chegar. Mas consegui.”

Sua história chegou aos ouvidos do antigo Secretário Estadual de Esportes de São Paulo, Fausto Camunha. Ele levou Ana para morar no Centro Olímpico. Mas não durou muito. “Morei lá por dois anos. Porque a Magic Paula, que era diretora, me tirou de lá. Disse que não era lugar para indigente. Ameacei e disse que ia mandar uns caras pegarem ela.”

Ana Animal vai correr prova em Nova Iorque em novembro Reprodução/Instagram

Então, foi morar em um quarto dentro do Ginásio do Ibirapuera, sua casa há 20 anos. Por seu jeito bocuda, que não leva desaforo, ficou conhecida como Ana Animal – certa vez, bateu em uma menina que a dedurou por ela ter cortado o caminho de uma prova. 

Passou a treinar e competir regularmente. Acorda às 4h, treina das 5h às 8h e come de graça em um restaurante perto.

Das ruas de São Paulo, para o mundo. Ana Animal já disputou provas em Japão, Inglaterra, Argentina, Cuba e muitos outros países. Em 2007, foi correr na Disney. “Vivi a maior emoção da minha vida quando a Bela e Fera bateram na minha mão. Achei que estava sonhando.” Foram quatro maratonas, até ela se decidir por meia maratona e provas mais curtas.

“Esporte, para mim, é tudo. É educação, respeito, alegria. O esporte me ensinou a ter respeito pelo próximo. Acho que sem a corrida eu estaria morta ou presa. Sou muito alegre e feliz. Não me arrependo de nada. Porque fiz o que fiz para me sustentar. Sinto que sou uma guerreira.”

O próximo desafio de Ana Animal será uma prova de 10 mil metros em Nova Iorque, no dia 1 de novembro. Depois, corre a meia maratona do Chile. No próximo domingo, dia 8 de outubro, a Ana Luiza Garcez completa 55 anos. Cinco décadas e meia de dores e amores, derrotas e vitórias. E uma baita lição de vida.