Lais Souza cogita disputar bocha em Tóquio-2020: ‘meu plano A é andar; meu plano B é ser feliz’

Bianca Daga, do espnW.com.br

Lais Souza experimentou a bocha adaptada durante os Jogos Paraolímpicos do Rio
Lais Souza experimentou a bocha adaptada durante os Jogos Paraolímpicos do Rio Wander Roberto/Inovafoto Fotografia

“Tenho algumas lembranças...eu falando para a minha amiga Josi ir devagar porque estávamos muito rápido. Perdi o controle e bati em uma árvore. Acordei no hospital e quem me deu a notícia real foi minha mãe. Foi de pouquinho em pouquinho que eu fui percebendo o que estava acontecendo. Depois de dois dias, minha mãe chegou e disse que se eu não viesse a óbito em 12 horas, eu não ia mais respirar sozinha, nem comer.”


Foi assim que Lais Souza começou o bate-papo com o espnW sobre o trágico acidente que fez sua vida dar um giro de 360º. A ex-ginasta começou a treinar esqui aéreo e conseguiu vaga para disputar os Jogos Olímpicos de Inverno de 2014, na Rússia. No entanto, em 27 de janeiro daquele ano, sofreu uma lesão na coluna cervical C3 durante um treino nos Estados Unidos e perdeu todos os movimentos do pescoço para baixo. Das manobras radicais no esporte, passou à cadeira de rodas.

A adaptação à nova rotina se configurou como única opção para seguir em frente. Sessões diárias de fisioterapia, novas tecnologias, sorriso no rosto e força de vontade são as armas que Lais tem para buscar o que não poderia deixar de ser seu objetivo principal: voltar a andar. Mas os pés no chão e a consciência de que talvez isso não a aconteça a fazem pensar em novas possibilidades. No ano passado, ela experimentou a bocha adaptada na Paraolimpíada do Rio de Janeiro. E gostou.


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Ter filhos, construir instituto e voltar ao esporte: os sonhos de Lais Souza

“Acho que se eu voltasse a andar, voltaria para o esporte. Na ginástica ou no esqui. Conheci a bocha e falaram que é o único esporte que eu conseguiria praticar. É um pouco parado perto do que eu fazia, mas é legal. Tem que pensar muito, tem estratégia, jogadas anotadas em uma folha. Eu até pensei em Tóquio, quem sabe. Mas tenho que treinar muito até lá. Talvez começar no ano que vem.”

E nos objetivos pessoais, aparece o desejo de construir uma família. "Tenho noção que pode ser real, mas pode não acontecer também. Mas é melhor acreditar que sim (voltar a andar). Com tudo o que vejo, não posso deixar a peteca cair. Meu plano A é andar, meu plano B é ser feliz. Enquanto isso não acontece, vou tentando ser feliz. Tenho vontade de ter filhos. Não sei se é possível, pela minha situação. Por conta de saúde. Mas tenho vontade... daqui uns cinco, seis anos."


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Lais Souza: 'Será que se eu voltar no lugar onde eu estava, vai ter um portal?'

O começo foi difícil. Sem poder mudar a situação, Lais passou a se concentrar em ajudar os médicos. Mas havia momentos em que se perguntava se tudo não passava de um sonho. “Foi caindo a ficha. Chorei muito. Fui conseguindo entender que era aquilo o que eu ia ter que carregar. Muitas vezes, eu pensava: ‘será que se eu voltar no lugar onde eu estava, vai ter um portal?! Perguntava para Deus, por que tirou tudo? Por que não deixou um dedo, um braço?”

 São três horas de fisioterapia por dia. À noite, cursa psicologia na Estácio de Sá, seu único patrocinador. E também divide seu tempo entre palestras e eventos que faz, às vezes recebendo para isso, outras não. Lais recebe uma pensão do governo federal de pouco mais de R$ 4mil, que gasta com remédios. Suas despesas ultrapassam R$ 20 mil por mês.


  • 'Queria tomar um bom banho e escovar os dentes'

Lais Souza: ' O que mais sinto falta é tomar um bom banho e escovar os dentes'

“Em média, faço seis xixis por dia e cada xixi custa R$3,20 (preço da sonda). Hoje, o COB (Comitê Olímpico Brasileiro) me ajuda e a CBDN (Confederação Brasileira de Desportos na Neve) também. Tanto o Doda (cavaleiro), quanto o Neymar e o Luciano (Huck) me ajudaram na adaptação da minha vida, com coisas que uso sempre...cama, cadeira. Foram vários anjos em um momento que achei que não ia poder contar com ninguém.”

Aquela história de viver um dia de cada vez se tornou seu mantra para Lais Souza. Convive com dores diariamente, mas também vibra com cada pequena conquista. Há alguns meses, ficou em pé pela primeira vez, com o auxílio do ortowalk, um aparelho estabilizador desenvolvido especialmente para ela. Agora, a última hora de fisioterapia é feita toda em pé. “Sensação de liberdade sair da cadeira e poder olhar as pessoas da mesma altura.”


  • 'Eu era mais ogra. Hoje, sou mais sensível'

Lais Souza: 'Antes do acidente, eu era mais ogra. Hoje, sou mais sensível'

Em agosto, conseguiu até arriscar cabeceadas em uma bola. “Minha evolução vem acontecendo em uma velocidade legal. Mas eu sou bem exigente. Me cobro muito. Então, parece que está devagar. Enquanto não tiver um movimento, não vou sossegar. Hoje, tenho bastante sensibilidade no meu pé, nas costas, na barriga, alguns dedos da mão, partes do meu braço. De movimento, ganhei peitoral, escápula, um pouquinho de braço.”

Os médicos não dão previsão. Só pedem para que Lais se esforce para manter sua forma física, sem perder muita massa muscular. Assim estará com o corpo pronto, caso surja algum estudo, alguma tecnologia, que permita que ela volte a andar. Mas não é só da sensação de poder andar que ela tem saudade. “O que mais sinto falta é tomar um bom banho e escovar os dentes. Sexo, namoro, abraço."

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