A premissa é a seguinte: um ser humano morreu. De forma estúpida.
Chamou a atenção o fato de ter sido uma jovem, antes de um jogo de futebol, num estádio importante, de um bairro importante de uma cidade importante como São Paulo.
A ligação com o futebol se torna imediata, evidente e óbvia. Muito se falou sobre isso, ao longo do dia, com observações importantes e com os inevitáveis lugares-comuns dessas ocasiões.
Um dos mais fáceis é falarmos de bandidos, de vândalos, de irresponsáveis. Enfim, de gente que só pensa em maldade e não em diversão. Não são definições sem propósito. E há décadas ouço falar a respeito delas. Já perdi a conta de quantas vezes eu mesmo utilizei esse recurso fácil de mostrar indignação.
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Há algum tempo, porém, tento enxergar episódios desse gènero de maneira mais ampla. Antes de mais nada, gostaria de entender por que isso acontece. Entender antes de apontar o dedo acusador, antes de usar frases ríspidas ou emocionadas, antes de transferir a culpa para autoridades. Pois é fácil, em seguida, desliga o microfone e dormir com a consciência tranquila, com a desculpa consoladora de que "minha parte cumpri".
Levantei aqui algumas vezes, a última no episódio da agressão ao Luan, do Corinthianas, a questão de que não se pode isolar a violência do futebol da violência cotidiana. Somos um país violento - e não é de agora. Há mortes que fazem barulho, mas a maioria delas é silenciosa. São as mortes de anônimos em periferias, nos morros, nas comunidades pobres, no campo, no garimpo. São mortes em bairro nobres também, mas de gente sem visibilidade.
Mortes por temas banais, por violência doméstica, por desentendimentos em botecos, por machismo, por dívidas de jogo ou de drogas. São mortes em escolas, em tiroteios provocados por jovens que tentam imitar o que fazem outros jovens em países ricos. Mortes por fome, por ignorância. São dezenas de milhares de mortes por ano. Vivemos uma guerra civil não declarada.
E nunca abordamos essa violência de maneira adequada. O mais simples é pedir cadeia - e muitos a merecem -, bradar por pena de morte (olha ela aí, de novo), exigir sangue. Depois, nos acomodamos, certos de que mostramos o caminho correto. Outros que levem adiante as sugestões.
Fazemos o mesmo, por exemplo, com os dependentes químicos. Em São Paulo, onde o drama agride os olhos, houve quem fizesse um trabalho de formiguinha, na esperança de recuperar alguns. Mas também teve quem achasse que a solução era descer a porrada, jogar água fria nos zumbis e limpar a área central. Não só não resolveu como a tragédia se espalhou pela cidade.
Não sou especialista em nada, sei que tem gente preparada que estuda violência e pode falar de cátedra a respeito. Mas, em minha opinião de leigo, gostaria que, antes de sermos uma sociedade punitiva, fôssemos preventiva e educativa. Educar e prever andam juntos. E punição até pode fazer parte desse conjunto, conforme o caso. O que seria a parte final enxergamos como a principal. Pois reprimir é mais cômodo, dá a sensação de que se resolveu a questão.
Mudar por meio de prevenção e educação demora, evidentemente. Dá muito trabalho, os efeitos não são imediatos nem rendem votos para hoje. Mas vêm. E daqui a alguns anos não estaremos falando tanto em mortes, no futebol, nem no nosso dia a dia. Diminuirão as cruzes nos cemitérios.
Infelizmente, há muito tempo a vida por aqui virou detalhe banal.
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