Dados como aposentados por alguns, Ancelotti, Mourinho e Van Gaal dão resposta ao resultadismo seletivo que celebra Bielsa
Não sei se você é dos que davam Carlo
Ancelotti (62 anos), José Mourinho (58 anos) e Van Gaal (70 anos) como
aposentados, mas, de forma bem resultadista, quero dizer que o primeiro lidera LaLiga (com o Real Madrid), o segundo está na ponta do Campeonato Italiano (com a Roma) e o
terceiro tirou a Holanda do buraco e a deixou bem perto da Copa do Mundo de
2022, no Catar. Os três têm currículos invejáveis e estão entre os maiores treinadores das
últimas três décadas, mas não ganham títulos há alguns anos e foram colocados
em segundo plano recentemente por muita gente.
Quando os nomes de Ancelotti, Mourinho e Van
Gaal surgem, logo aparece alguém para dizer que estão ultrapassados ou que já
não fazem um grande trabalho há muito tempo. O italiano e o português não levantam
uma taça desde 2017, ano em que Ancelotti faturou a Bundesliga e a Supercopa da
Alemanha com o Bayern de Munique e que o português conquistou a Europa League e a Copa da
Liga Inglesa com o Manchester United. O holandês estava de fato
aposentado após vencer 'apenas' a Copa da Inglaterra com o Manchester United em
2016. Considerando que nos últimos anos Ancelotti trabalhou no Napoli e no
Everton, que Mourinho dirigiu o Tottenham e que Van Gaal saiu mesmo de cena por
conta própria, é natural que eles não tivessem títulos.
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Rotulado como egocêntrico, problemático e retranqueiro, o 'Malvadão' Mourinho até levou o Tottenham à final da Copa da Liga Inglesa, mas não pôde tirar os Spurs da fila (não ganham nada desde 2008) porque o demitiram de forma cruel e injusta uma semana antes da decisão, na esteira do anúncio da Superliga de clubes europeus (a que pouco depois naufragou).
O City de Guardiola era favorito na final contra o Tottenham? Era, mas Mourinho
bateu duas vezes o time do espanhol na Inglaterra. E em jogos de mata-mata,
sabemos bem pela Champions League, muitas vezes Guardiola inventa e se dá mal.
Os Spurs deixaram um interino perder a final e até uma possível vaga na
Champions League (após a saída de Mourinho, o time perdeu do Aston Villa em
casa e do Leeds fora, ficando em 7º lugar, jogando assim nesta temporada a
Conference League, não pegou nem Europa League).
O Special One teve um fim de semana histórico ao completar mil jogos como profissional. A Roma bateu por 2 a 1 o emergente e badalado Sassuolo no final, e o português saiu correndo para celebrar com a torcida, que o idolatra desde a sua chegada mesmo com seu passado interista. José Mourinho tem mais de 70% de aproveitamento na carreira de técnico. No Tottenham, seu último trabalho, ele teve 'só' 58,53% de aproveitamento, um número que Marcelo Bielsa não conseguiu em nenhum clube que dirigiu.
E por que eu citei Bielsa aqui e no título?
Nada contra o louco argentino, eu o adoro e já encomendei meu livro sobre ele,
mas é engraçado ver como alguns profissionais podem ter números ruins, derrotas
desastrosas e poucos títulos que logo alguém vai passar aquele pano para essas
figuras. Bielsa não tem título de elite no futebol europeu, foi ganhar a 2ª
divisão do Campeonato Inglês. Além disso, tem uma medalha de ouro olímpica e
três títulos nacionais na Argentina, entre Newell’s e Vélez. Nesta temporada, o
Leeds já tomou 5 a 1 do Manchester United e 3 a 0 do Liverpool, a defesa do
time está quase sempre exposta pelo jeito mais despojado e ofensivo de Marcelo
Bielsa. Até o cruyffista Guardiola o trata como uma lenda e referência.
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O pecado de Ancelotti, Mourinho e Van Gaal
seria adotar táticas mais conservadoras, proteger mais as suas defesas? O
italiano é discípulo de Arrigo Sacchi, o homem que montou o espetacular Milan
que dominou a Europa no final da década de 80. Gosta de um 4-4-2, muitas vezes usando
um diamante no meio (não me refiro a um craque, mas sim ao sistema de jogo).
Mourinho ficou nove anos sem perder como mandante em campeonatos nacionais e
quebrou recordes defensivos na Premier League (apenas 15 gols sofridos em uma
edição do Inglês), é verdade, mas o Real Madrid dele tem o recorde de gols
(121) em uma edição do Espanhol. Van Gaal, que é visto de forma torta por
alguns como um general que odeia brasileiros (foi campeão holandês com o AZ de
Ari), venceu a Champions League e campeonatos nacionais em três países
diferentes, apenas um a menos do que Ancelotti e Mourinho.
É bom ressaltar que Van Gaal, diferentemente
do italiano e do português, teve experiência como técnico de seleção também. Foi
mal nas eliminatórias da Copa de 2002 e saiu invicto do Mundial de 2014,
ficando em terceiro lugar no Brasil. Voltou agora para salvar a sua Holanda, que
estava em situação desconfortável em seu grupo no qualificatório por ter
perdido de 4 a 2 da Turquia. Meteu 6 a 1 nessa mesma Turquia e bateu boca em
coletiva de imprensa com um jornalista que insistia que a linha de cinco usada
por Van Gaal era defensiva (na Holanda, o tradicional 4-3-3 é quase sempre
pedido pelos mais românticos e ofensivos).
“Um 5-3-2 ou um 5-2-3 pode ser ofensivo. O
Chelsea mostrou isso todo o tempo com diferentes jogadores, e tiro meu chapéu
para Tuchel por isso”, respondeu Van Gaal após ser 'acusado' de aplaudir o
futebol defensivo querendo jogar como o Chelsea. Thomas Tuchel bateu Guardiola
na final da Champions League após superar o espanhol em jogos pela Premier
League e pela Copa da Inglaterra. A linha de cinco do técnico alemão amarra a
equipe de Guardiola, que tentou sem sucesso até agora uma forma de dobrar o
Chelsea de Tuchel, que agora foi colocado na primeira prateleira dos treinadores
de futebol da atualidade.
Aí preciso voltar para a questão do resultadismo. Tuchel chegou a ser ridicularizado por só vencer campeonatos nacionais com o Paris Saint-Germain durante duas temporadas. Bastou se mudar neste mesmo ano de 2021 e ganhar a Europa para ser rotulado como técnico top, rival de Guardiola. Coisa parecida já tinha acontecido anteriormente com Jürgen Klopp. Alguns grandes treinadores parecem só ter espaço na primeira prateleira quando vencem nobres torneios. Já Bielsa pode ir mal no México, na Espanha e na França (na Itália, acertou com a Lazio, mas pulou fora quando não teve os reforços pedidos) que está tudo certo. E Guardiola pode completar uma década sem ganhar a Champions League mesmo com fortes e endinheirados clubes que não há problema. Mas ai de Ancelotti, Mourinho e Van Gaal se não conquistam títulos de ponta, estão condenados a ficar no passado.
Sinceramente, acho que Ancelotti tem grande
chance de ser campeão espanhol, o que o tornaria vencedor das cinco principais
ligas nacionais da Europa. Ele ganhou a Champions com o Real, mas faltou o principal
título nacional. Tem um bom elenco para brigar com o Atlético, detentor do
título, e o Barcelona, em fase maior de reconstrução. Mourinho mal pode hoje sonhar
com o scudetto, mas pode muito bem brigar pelas copas (incluindo a nova Conference
League), além de travar bons duelos táticos com outros estrategistas do calcio.
Van Gaal já terá méritos por recuperar a Holanda e levá-la de volta à Copa, mas
não estará entre os favoritos ao título mundial. Possivelmente, retornará à aposentadoria
após o Mundial de 2022, mas sem se sentir um técnico pior do que a imensa
maioria dos que estão no topo hoje.
Confesso que estou na torcida por Ancelotti,
Mourinho e Van Gaal, seja por clubismo, seja por 'selecionismo', seja por egocentrismo,
seja porque admiro mesmo esses três grandes estrategistas, dos maiores que eu
vi como jornalista e amante do futebol. Eles fazem bem ao esporte e ainda têm
muito valor, podem sim realizar grandes trabalhos, ganhando ou não troféus.
Dados como aposentados por alguns, Ancelotti, Mourinho e Van Gaal dão resposta ao resultadismo seletivo que celebra Bielsa
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