Ele recusou o 'Super-Manchester United' por causa da religião e garante: não se arrepende

Antônio Strini, Francisco De Laurentiis e Vladimir Bianchini, do ESPN.com.br
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Carlos Roa Comemora Vitoria Penaltis Argentina Inglaterra Copa do Mundo 98 04/07/1998
Herói, Roa comemora a vitória nos pênaltis da Argentina sobre a Inglaterra, na Copa de 1998

Imagine que, após brilhar em uma Copa do Mundo, você recebe uma proposta para jogar no "Super-Manchester United" de 1998/99, então o melhor time do mundo, ao lado de craques como David Beckham, Ryan Giggs e Paul Scholes. Além disso, a proposta inclui um salário milionário em libras esterlinas e a chance de disputar torneios como a Premier League, a Uefa Champions League e o Mundial de Clubes.

Irrecusável, certo?

Não para o goleiro argentino Carlos Ángel Roa.

Em 1998, pouco depois de se tornar herói nacional ao pegar duas cobranças na disputa de pênaltis contra a Inglaterra e ajudar a Argentina a avançar às quartas de final do Mundial da França, ele teve em mãos uma proposta para ser o mais novo comandado de Alex Ferguson nos Red Devils. Por questões religiosas, no entanto, resolveu recusar.

É que Roa é, desde o final dos anos 90, adepto do adventismo, crença na qual é proibido trabalhar aos sábados, o que inviabilizaria sua atuação na Inglaterra. Por isso, o arqueiro decidiu, aos 29 anos e no auge da forma, encerrar a carreira logo após a Copa.

Na Argentina, ninguém acreditou, mas ele garante até hoje que não se arrepende.

"Era uma boa oportunidade, mas já tinha tomado a decisão de me aposentar por princípios religiosos. Teria sido uma experiência enorme a nível esportivo e também cultural, mas isso faz parte do passado. Nesse momento da minha vida, priorizava outras coisas", conta o ex-atleta, em entrevista ao ESPN.com.br.

Roa, conhecido por ser um tapa penales (pegador de pênaltis), chegaria para assumir o lugar do dinamarquês Peter Schmeichel, que havia sido contratado pelo Sporting-POR, sendo titular do gigante britânico. No entanto, os princípios religiosos falaram mais alto, e ele manteve a decisão de pendurar as luvas.

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Carlos Roa Defende Penalti Argentina Inglaterra Copa do Mundo 98 04/07/1998
Roa defende pênalti do inglês Batty na Copa de 1998

"Estive muito perto do United. Foi uma oportunidade que apareceu logo antes de eu deixar o futebol, foi um fato comentado em todo o mundo praticamente, teve muita repercussão. Mas, no fim, eu me aposentei por seis, sete meses da vida profissional no futebol", lembra.

Com a desistência do argentino, o United contratou o australiano Mark Bosnich, que acabaria sendo o grande algoz do Palmeiras na final da Copa Intercontinental de 1999, disputada no Japão. Roa, por sua vez, passou a se dedicar exclusivamente à igreja, e largou o futebol profissional.

17 anos depois, o ex-arqueiro hoje trabalha como preparador de goleiros do Chivas Guadalajara, ao lado do amigo Matías Almeyda, ex-colega de seleção da Argentina e hoje técnico. Do México, ele mostrou apoio à decisão do goleiro Vítor, do Londrina-PR, que viveu caso semelhante ao dele, abdicando da profissão por causa da religião.

"Parabenizo o garoto por defender sua ideia e sua fé. Creio que isso não é fácil nos tempos em que estamos vivendo, sobretudo para que as pessoas compreendam que, por causa da fé que nos move, tomamos certas decisões. Entendo, respeito e o admiro por priorizar isso", ressalta.

"O tema da religião é sempre muito pessoal, tem que ser tratado com cuidado e, obviamente, as decisões dos outros têm sempre que ser respeitadas", decreta.

Outro fato curioso sobre Roa é seu apelido, Lechuga (alface), que lhe foi dado pelo fato do ex-jogador ser vegetariano desde os tempos em que ainda era goleiro.

Vitória sobre o câncer

A decisão de se aposentar do futebol durou por quase um ano, até que Roa resolveu voltar a jogar pelo Mallorca, equipe que defendia antes do Mundial de 1998 e na qual fez fama, defendendo pênaltis de Rivaldo e Luís Figo em uma mesma partida contra o Barcelona e parando Ronaldo "Fenômeno" no Real Madrid - segundo ele, o melhor que enfrentou durante toda sua trajetória como profissional.

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Carlos Roa Albacete Real Madrid Campeonato Espanhol 23/11/2003
Roa em ação pelo Albacete contra Real Madrid

"A experiência que vivi fora do futebol foi positiva, mas eu sentia que realmente o que gostava de ter era o futebol, tinha vontade de voltar, não dormia à noite. O mais lindo do ser humano é que existe o livre arbítrio, de poder decidir o que fazer para ser livre. Tomei a decisão com minha família, que aceitou, e decidi voltar, porque o que me faria feliz novamente era jogar futebol", relata.

Fora de ritmo, Roa não foi tão bem no clube do qual era ídolo, mas reencontrou sua melhor forma no Albacete, time espanhol para o qual se transferiu em 2002. Quando vivia seu melhor momento, porém, recebeu uma triste notícia: foi diagnosticado com câncer testicular.

"Foi complicado, porque eu estava em um momento muito bom. Tínhamos voltados à 1ª divisão com o Albacete, estava trabalhando bem e com vontade de voltar à seleção argentina. Foi triste receber essa notícia, porque eu tinha voltado a jogar em um bom nível", relembra.

Após um ano de tratamento pesado, no entanto, o goleiro foi curado.

"Foi como levar um golpe, porque não foi fácil encarar o tema do câncer com minha família. Digo que, sem dúvidas, Deus tem algo muito importante para mim, porque senão não estaria aqui falando com você. Fui um grande milagre, sem dúvida", celebra.

Depois do Albacete, Roa ainda atuou pelo Olimpo, da Argentina, antes de se aposentar definitivamente, em 2006. Convidado em 2011 por Matías Almeyda para ser preparador de goleiros do River Plate na segunda divisão argentina, aceitou e ajudou a equipe de Buenos Aires a voltar à elite nacional.

Hoje, o herói argentino da Copa de 1998 está feliz da vida trabalhando no poderoso Chivas, um dos times de maior torcida do México.

"As coisas estão muito bem, chegamos aqui em setembro do ano passado. Tivemos a oportunidade de ganhar a Copa México, e estamos em pleno processo de preparação para o Mexicano. É uma equipe popular, só de mexicanos. Somos estrangeiros, mas nos tratam como se estivéssemos em casa", vibra, antes de se despedir.

"Agradeço por falar com vocês, obrigado por se lembrarem de minha pessoa. Um beijo e um abraço cordial ao povo brasileiro".

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