Pizzaria, camisa, família, narrador: relembre 10 fatos inesquecíveis do 1º título de Guga em Roland Garros

ESPN.com.br
Getty
Guga com o troféu de Roland Garros, em 1997
Guga com o troféu de Roland Garros, em 1997

Há exatos 20 anos, Gustavo Kuerten deixava de ser um promissor tenista de Florianópolis e passava a ser conhecido no mundo todo.

No dia 8 de junho de 1997, uma atuação impecável contra o espanhol Sergi Bruguera fez dele o primeiro não cabeça de chave a conquistar Roland Garros e fez o Brasil olhar de forma diferente para o tênis.

Com cabelo cumprido preso por uma faixa que combinava com seu espalhafatoso uniforme, e o sorriso sempre presente no rosto, a surpresa de 20 anos deixou pelo caminho Slava Dosedel , Jonas Bjorkman, Thomas Muster , Andrei Medvedev , Yevgeny Kafelnikov e Filip Dewulf antes de bater o bicampeão no saibro francês.

Chegando à Paris como o número 66º do ranking, Guga não poderia imaginar sequer que passaria duas semanas na disputa, quem dirá ir embora de lá com o troféu.

Naquele dia, conhecemos alguns personagens responsáveis por aquele momento. Relembre eles e também alguns detalhes daquela conquista histórica.

  • O hotel de US$ 70

Era a terceira vez que Guga ia para a disputa do Grand Slam francês como profissional. Em 1995, sequer passou do quali. No ano seguinte, entrou para a chave principal, mas foi derrotado logo na primeira rodada para o sul-africano Wayne Ferreira, em sets diretos.

Depois de um começo de ano empolgante, Guga foi para o circuito na Europa e viu as coisas darem errado. Com problemas de autoconfiança, mudou os planos e foi para Curitiba, onde conquistou um challenger antes da caminhada histórica. Mas o dinheiro que havia ganho antes não permitia exageiros.

A hospedagem para aquela disputa foi no Mont Blanc, de apenas duas estrelas, localizado na Boulevard Victor Hugo. A diária não passava dos US$ 70 dólares, cerca de 3 quilômetros distante dos locais de competição. Lá, Guga era o único tenista hospedado.

Nestes 20 anos, o hotel foi reformado e mudou de nome, sendo chamado nos dias de hoje de Hotel Port de Versailles, e ganhando uma estrela.

  • Caminhadas para uma massa

Os proprietários do hotel jamais poderiam imaginar que estavam recebendo o futuro campeão de Roland Garros, um homem que se tornaria um mito em Paris. O mesmo aconteceu com os donos do restaurante frequentado por Guga naqueles dias.

Todas as noites, ele e Larri Passos, seu treinador, caminhavam por quatro quarteirões para comerem uma massa, a comida preferida do tenista, em um acanhado restaurante italiano com um nome muito apropriado para a ocasião: Pizzeria Victoria.

Confira no mapa os pontos frequentados pelo tenista em 1997:

  • Larri, o outro pai

Foi em Roland Garros também que os brasileiros começaram a se acostumar com Larri Passos, o treinador de Gustavo Kuerten.

Larri conta que ouviu um pedido do pai de Guga, Aldo Kuerten, para que treinasse seu filho. Poucos anos depois da morte de Aldo, que sofreu um ataque cardíaco aos 41 anos, enquanto arbitrava uma partida infantil de tênis em Curitiba.

Quando Guga tinha 14 anos, em 1990, a parceria foi formada depois de Larri ter ido treinar outra promessa do tênis em Florianópolis, Marcus Vinícius Barbosa, o Bocão, que chegou até a semifinal da chave juvenil de Wimbledon.

A parceria ia além das quadras e o treinador também fazia as vezes de pai, como o próprio Guga deixou claro após conquistar um título em São Petesburgo, na Rússia, em 2003.

"Esse título é do meu pai, meu guru, meu treinador, mais do que meu. Foi ele que conseguiu me fortalecer, me fez adquirir confiança e trabalhar duro e me deixou técnica e taticamente perfeito. Foi uma semana maravilhosa, perfeita, em que a vitória foi mais dele do que minha. Aproveito aqui para agradecer o cara que, para mim, ele é muito mais gênio do que eu. O Larri foi o grande homem da minha vida", disse.

A dupla foi desfeita em 2005, quando o tenista decidiu que passaria a viajar sozinho.

  • Avó, patrocinadora, treinadora e tudo mais

Olga Schlöesser chegou em Paris para acompanhar a semifinal. Mas sua trajetória com Guga vinha de muito antes.

Ela foi mais do que avó do tenista. Chamada pelos familiares de Oma, ela foi a primeira patrocinadora, a conselheira/treinadora, torcedora e amuleto em todos os anos de sua carreira.

A foto é da minha primeira viagem à Europa com a Oma. Uma homenagem ao Dia da Avó! Aplausos carinhosos pra todas vocês!!!

Uma publicação compartilhada por Gustavo Kuerten (@gugakuerten) em Jul 26, 2016 às 12:12 PDT

Os primeiros torneios foram bancados pela tecelagem da família, e Guga brincava que ela era uma grande conselheira, já que sempre aparecia com dicas dos próximos adversários que o tenista iria enfrentar.

"Ela chegou ontem com minha mãe, e meu treinador quase perdeu o emprego", brincou Guga, então com 20 anos. "Desde que eu comecei a jogar, ela sabe de tudo. Ela estuda cada jogador. Ela conhece Becker, Sampas, Kafelnikov. Se eu começo a conversar com ela, ela diz: ‘Vamos lá, com este você tem que jogar assim', disse Guga em entrevista dias antes da final de Roland Garros, em 1997.

Olga Schlöesser morreu no dia 16 de abril de 2016, aos 94 anos.

  • A mãe

Guga perdeu o pai quando tinha apenas oito anos. Quem tomou as rédeas da casa foi a mãe, Alice Kuerten, que se viu sozinha com três filhos, Rafael, com 11, e Guilherme, então com cinco anos, que nasceu com paralisia cerebral.

Reuters
Guga chora ao lado da mãe ao ser introduzido no Hall da Fama do tênis
Guga com aa mãe ao ser introduzido no Hall da Fama

Alice costumava jogar tênis com Aldo, e Guga os acompanhava, adquirindo gosto pelo esporte. Foi ela quem incentivou os filhos a não desistirem, correndo atrás de patrocinadores e também de divulgação para os feitos deles.

Depois de acompanhar as primeiras vitórias do filho pela televisão, Alice seguiu para Paris ao lado da avó do tenista para a semifinal contra o belga Filip Dewulf. Assim como Oma, Dona Alice, como é chamada pelos filhos, era figura constante nas arquibancadas dos jogos de Guga.

  • Guilherme, o alicerce

Nascido com necessidades especiais, Guilherme sempre foi o xodó da família Kuerten. Segundo o tenista, ela ele quem unia a família, já que mostrava a alegria na vida de todos.

Sempre que podia, Guilherme acompanha as partidas nas arquibancadas. Quando a saúde não permitia, esperava o retorno do irmão no aeroporto. Guga sempre afirmou que era ele quem "ganhava" as competições, e fazia questão de entregar todos os troféus para o irmão.

Ele acabou sendo a inspiração para a criação do Instituto Guga Kuerten. Guilherme faleceu em 2007, aos 28 anos.

  • A voz da história

Para muitos brasileiros, o primeiro contato com Guga, e até mesmo com o tênis, veio com Rui Viotti. Pioneiro nas narrações de tênis no Brasil, trazendo a final de Wimbledon de 1976 para as televisões do país.

Foi ele o responsável pela transmissão do título de 1997, jogo que teve a maior audiência de uma partida de tênis no país, exibido pela extinta TV Manchete.

Ao fim da partida, ele não escondeu a emoção e afirmou, sem esconder o soluço que mudava seu tom de voz: "Aquilo que nós sempre sonhamos em ver".

Rui faleceu em 7 de setembro de 2009, aos 79 anos.

  • Uma roupa de destaque

Se Guga começou a chamar a atenção ao derrubar os grandes tenistas em Roland Garros, seu uniforme também era algo muito comentado.

Mike Hewitt/Allsport
Gustavo Kuerten corre em final do Roland-Garros de 1997
Gustavo Kuerten corre em final do Roland-Garros de 1997

Enquanto a maioria dos tenistas, principalmente em Grand Slams, optavam por cores claras, tons sóbrios, Guga vestia amarelo e azul literalmente dos pés a cabeça, já que seus tênis e a bandana completavam o estilo, que chegou a resultar em um pedido dos organizadores do torneio aos responsáveis da Diadora, fornecedora de Guga, para que moderassem as escolhas.

Guga afirmou que jamais foi procurado para tratar do tema, mas certa vez deixou claro que não mudaria nada ao ser questionado por um repórter. "A cueca que estou vestindo é branca", respondeu.

  • AAAHHHH!!!

Mas não era apenas na roupa que Gustavo Kuerten se fazia ser notado. Em um esporte em que o silêncio impera até na arquibancada, o "gemido" do tenista brasileiro viraria uma de suas características principais.

Certa vez, Guga explicou que o barulho vinha por causa do movimento de bater na bolinha, já que seria o momento de soltar o ar. Apesar de ser "natural" e essencial para seu jogo, segundo o próprio, ele reconhecia que era um pouco "exagerado".

"Serve para assustar os adversários. Quando eles ouvem, sabem que estou focado", afirmou em uma oportunidade.

  • A quadra

Nas quartas de final de 1997, contra o russo Yevgeny Kafelnikov, Gustavo Kuerten teria seu primeiro contato com aquela quadra que seria um de seus lugares preferidos em todo o mundo.

Na época, a quadra era chamada apenas de Estádio Roland Garros, sendo rebatizada em 2001, ganhando o nome de Phillipe Chatrier, ex-tenista e presidente da Federação Francesa de Tênis.

Em 2001, quando defendia o título, Guga esteve perto de ser eliminado nas oitavas de final. Contra o norte-americano Michael Russell , ele perdia por 2 sets a 0, com 5 a 3 no terceiro set, salvou um match point antes de começar uma virada história, que o levou ao título. Emocionado, ele se ajoelhou e agradeceu o apoio torcida desenhando, com a raquete, um coração na quadra, gesto que repetiu após a final.

A relação especial com o local é explicada, por exemplo, pela improvável vitória por triplo 6-4 contra Roger Federer, então líder do ranking, em 2004, quando já lidava com muitas lesões que refletiam a cirurgia no quadril pela qual passou em 2002.

"Sou o cara mais feliz do mundo. Aqui foi a minha vida. Roland Garros é tudo para mim", disse em sua despedida do tênis, que aconteceu justamente no saibro francês, em 2008.

Comentários

Pizzaria, camisa, família, narrador: relembre 10 fatos inesquecíveis do 1º título de Guga em Roland Garros

COMENTÁRIOS

Use a Conta do Facebook para adicionar um comentário no Facebook Termos de usoe Politica de Privacidade. Seu nome no Facebook, foto e outras informações que você tornou públicas no Facebook aparecerão em seu cometário e poderão ser usadas em uma das plataformas da ESPN. Saiba Mais.