Islândia: o segredo do Bando de Loiros
Domingo passado foi Dia do Professor, e eu lembrei de um punhado de mestres que tive nessa vida afora. Dos tranqueiras (houve vários), tratei de esquecer. Ficaram os bons (e poucos) na memória. Entre uma azeitona e outra, comentei com um parça que um aluno pode ter acesso aos laboratórios mais modernos, às tecnologias mais avançadas de aprendizagem, mas se cair nas mãos de um professor ruim, lascou-se. Nada substitui um bom professor – alguém com formação sólida que passe o conhecimento com brilho nos olhos e paixão no coração. Só um bom professor é capaz de mostrar que o saber é uma aventura, não um enfado. Não consigo pensar em profissão com mais responsabilidade – com menos, é fácil: blogueiro de futebol.
A reflexão me levou a uma reportagem que havia lido na ótima revista espanhola Panenka. Durante a Eurocopa de 2016, a publicação mandou um repórter à Islândia para entender as razões do sucesso em terras francesas daquele bando de loiros com nomes impronunciáveis – chegou às quartas-de-final, eliminando a Inglaterra nas oitavas. Um ano depois, os islandeses avançariam ainda mais, conquistando a vaga direta para a Copa da Rússia, ficando em primeiro em um grupo das Eliminatórias que contou com Croácia, Turquia e Ucrânia, países de muito mais tradição no futebol. E a principal razão apontada pela Panenka era, veja você, bons treinadores. Ou seja, professores de futebol.
A revolução no futebol da ilha de 335.000 habitantes (pouco mais que o Jardim Ângela, bairro da zona sul de São Paulo) começou em 2002, com a chegada ao comando das categorias de base da Federação Islandesa de Futebol do ex-jogador Siggi Eyjólfsson. Além da construção pelo governo de diversos campos de futebol cobertos país adentro, permitindo jogos e treinos o ano inteiro mesmo com 40 graus negativos e tudo branco lá fora, houve um estímulo para que os candidatos a treinador se formassem adequadamente, tirando as licenças da UEFA. “A principal mudança é que, hoje, cada criança e adolescente na Islândia que joga futebol tem um treinador bem preparado à disposição, não um pai ou um voluntário. E não importa se é menino ou menina, se joga melhor ou pior. Todos recebem a mesma atenção. Todos podem jogar futebol na Islândia”, disse à Panenka Arnar Bill Gunnarsson, que hoje substitui Eyjólfsson na Federação Islandesa.
A Federação conseguiu junto à UEFA permissão para importar cursos de licenças A e B, facilitando aos locais que conciliassem os estudos às suas atividades normais. Eyjólfsson diz que quantidade de treinadores também era importante, pois o objetivo era ter bons professores de futebol também para crianças entre 6 e 12 anos, idades, segundo ele, “cruciais para a aprendizagem”. Hoje, dizia a reportagem, a Islândia promove cursos nível A da UEFA na mesma quantidade que a Noruega, país de 5,3 milhões de habitantes.
Quanto à licença de treinador no nível mais alto, o Pro, a Islândia organiza cursos em parceria com a Federação Inglesa. Aliás, em que pese a diferença de tamanho e população dos países, surpreende a constatação de que, na Islândia, um em cada 500 habitantes possui formação de treinador homologada pela UEFA. Na Inglaterra, que inventou o futebol, essa proporção é um em cada 10.000 habitantes. “Fiquei surpreso quando visitei o Manchester United. Havia treinadores na base que sequer tinham a licença nível B”, disse Eyjólfsson à Panenka. E aí eu penso no Brasil, onde basta ter sido jogador (há exceções, claro) para, chuteiras penduradas, arrumar uma boquinha de auxiliar-técnico na base do clube onde se jogou porque, afinal, "se aprende na prática"...
Sigurdsson, Halldorsson, Skulasson, Gunnarsson, Gudmundsson… Hoje herois nacionais, os jogadores que classificaram a Islândia para sua primeira Copa do Mundo são fruto dessa revolução que privilegiou, em essência, a educação e sua peça-chave: o professor. Isso é o beabá não só do futebol, mas da sociedade, do país, do planeta. Precisa desenhar?
Fonte: Maurício Barros
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