Técnicos escancarados e a melhor entrevista do fim de semana
Entrevistas de técnicos de futebol costumam ser reveladoras. Relevam suas qualidades, fraquezas e intenções como nenhuma outra categoria faz quando precisa falar publicamente. A exposição de um treinador após um jogo disputado escancara para torcedores, mídia e dirigentes o que ele tem de melhor e de pior.
Porque se um alto executivo ou um político costumam ter toda chance do mundo de se preparar para entrevistas, o técnico de futebol é impelido a falar sobre fatos novos de cabeça quente, ainda sob o efeito da adrenalina liberada em um jogo recém-terminado. Assim, é raro que o componente emocional, seja de irritação, euforia ou qualquer outro, não acabe por determinar o tom e o teor de suas respostas. E de recheá-las com doses incomuns de sinceridade.
Até mesmo Pep Guardiola e Jurgen Klopp, hoje os dois melhores e mais respeitados técnicos do mundo, e certamente (não à toa) dois daqueles cujas entrevistas costumam ser as mais enriquecedoras e interessantes no universo do futebol, cometem seus deslizes nesse contexto de tanta pressão e suscetibilidade.
Basta ver, por exemplo, a entrevista do em geral simpaticíssimo Klopp concedida na semana passada em que ele atribuiu à detentora de direitos de TV da Premier League os problemas de calendário do Liverpool. Questionado pelo repórter se a maior responsabilidade não seria da liga e dos clubes, o alemão até tenta manter a discussão em alto nível, mas acaba se perdendo.
O palmeirense Abel Ferreira, assim como fazia Jorge Jesus, vem encantando no pós-jogo, talvez também porque os resultados de ambos, em proporções e relevâncias bem diferentes, ajudaram. Já Abel Braga, assim como Vanderlei Luxemburgo, expõe aos microfones as mesmas dificuldades vistas em campo nos últimos anos. Fernando Diniz, com sua inegável capacidade conceitual e seu conhecimento, mostrou ciclotimia parecida com a das avaliações de seu trabalho.
Renato Gaúcho talvez seja um capítulo à parte, ainda que suas entrevistas sejam, também, muito reveladoras. O brasileiro, nas vitórias ou derrotas, nas crises e nos triunfos, costuma variar pouco seu discurso. A retórica do sou-o-bom-e-meu-time-é-o-melhor raramente sai de cena quando Renato fala.
Ele parece ter, entretanto, a intenção e a consciência de colocar seu personagem antes de tudo. Qualidades como técnico à parte, o gremista traz dos tempos de jogador uma (justificada) imagem de bon-vivant da qual não tem a mínima intenção de se livrar – muitas vezes usando isso em prol do seu elenco e outras vezes por autopromoção. De todo modo, ser o bom, ou o melhor, faz parte do seu vocabulário desde os anos 80.
Ainda que sua carreira como treinador de alto patamar só tenha sido reconhecida e consolidada no Grêmio, um ambiente para ele tão peculiar quanto generoso, é difícil negar que Renato Gaúcho soube fazer uso de sua imagem como jogador para se consolidar como treinador.
Missão mais difícil tem pela frente o técnico autor da melhor entrevista pós-jogo do final de semana pelo planeta. Porque se o aproveitamento da imagem de jogador para impulsionar uma carreira como técnico parece fazer sentido, bem mais complicado é ter de apagar uma imagem (vitoriosa) de atleta visando criar uma outra, diferente, como treinador.
Disse o ex-volante Genaro Gattuso, hoje técnico do Napoli, após a vitória por 4 a 0 sobre o Crotone pelo Campeonato Italiano:
“Jogadores como eu? Não quero jogadores que se pareçam comigo. Quero jogadores técnicos. [...] Jogadores que se parecem comigo eu não escalo, pois busco um futebol diferente como treinador. Um futebol de toque de bola em busca da superioridade numérica. Eu não era capaz de fazer aquilo que peço aos meus jogadores. Provavelmente, eu seria reserva aqui. Não renego meu passado, tenho orgulho do que fiz, mas o futebol mudou nos últimos anos”.
Não é a primeira vez que Gattuso aborda o tema, mas foi, certamente, sua fala mais incisiva a esse respeito. A fala de quem sabe que o trabalho de um técnico vai muito além das entrevistas, mas de quem sabe, também, o quanto elas são importantes nos tempos atuais.
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