Olimpíada revela como é miserável nossa relação com o futebol
Acabaram os Jogos Olímpicos de Tóquio e, como costuma acontecer ao fim de uma competição do gênero, a melancolia toma conta de quem ama esporte e se esforçou nas duas últimas semanas para seguir de perto e se emocionar diante de tudo que rolava do outro lado do mundo com o melhor do esporte e da desportividade. Para quem vive no Brasil e tem o futebol como sua maior paixão, então, a melancolia é ainda maior.
Porque ficarão para trás, guardados na memória, episódios em que atletas e torcedores derrotados entendem que ganhar e perder faz parte do esporte. Ficará para trás a compreensão de que só um pode ser o melhor, e que não o ser não é necessariamente um fracasso. Ficará para trás o companheirismo e respeito entre rivais. Ficarão para trás aqueles que não buscam nos erros dos outros, em geral dos árbitros, todas as justificativas para suas derrotas.
Não se trata de comparar modalidades esportivas e ignorar suas diferenças óbvias. Não faria sentido, num jogo de futebol, ver a camaradagem dos skatistas torcendo um pelo outro e colocando a curtição pelo esporte acima da busca por medalha. Ninguém exigirá o mesmo nível de respeito à arbitragem que vemos nas artes marciais ou a mesma amizade demonstrada entre os melhores saltadores do mundo. Ninguém cobrará abraços e beijos após uma disputa como vimos até mesmo em modalidades nas quais os atletas passam o tempo todo se espancando.
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Não se trata tampouco de querer impor ao nosso futebol uma utopia olímpica, mas não faltam exemplos no mundo para nos mostrar que o respeito à modalidade mais popular do planeta poderia ser bem maior por aqui, que a nossa relação com o futebol poderia ser bem melhor e mais saudável, e isso vale tanto para dirigentes, jogadores e técnicos como para torcedores e jornalistas.
Seria já um grande passo partirmos do pressuposto que o futebol é um jogo, e que para vencê-lo é mais eficiente jogar futebol do que recorrer a pressões, reclamações, caretas ou intimidações. Ajudaria bastante aprender a perder e, sobretudo, não ultrapassar certos limites dentro e fora de campo para tentar vencer. Compreender que nem toda derrota é um fracasso, por mais que tratá-la assim possa dar mais audiência.
Nossa relação com o futebol tem sido pobre, triste, e isso diminuiu também a nossa capacidade de curtir seu lado bom. A supervalorização das derrotas (também por parte da imprensa esportiva) ajuda a tornar cada vez mais efêmeros os prazeres de uma conquista. A um time campeão, em questão de semanas, bastará perder dois ou três jogos pouco relevantes para ter seu técnico questionado e ficar apto a saciar o fetiche de torcedores e jornalistas pelo uso de termos como “vexame” e “vergonha”.
Ao mesmo tempo, o ódio pelo adversário parece ter se tornado o maior combustível na busca pela vitória. Esqueça a celebração no bar com os amigos. A meta é gritar “chupa” na janela do vizinho, é postar cuspindo ódio nas redes sociais. As mesmas redes nas quais os maus perdedores (em boa parte aqueles que viraram “especialistas” em arbitragem de surfe e judô durante a olimpíada) buscam desculpas para os insucessos de seus times.
A não ser que fossemos subitamente tomados por esse espírito olímpico, é assim, desse jeito miserável, que seguiremos nos relacionando com nosso futebol. Esqueçamos a Olimpíada. O show de espírito esportivo visto em Tóquio ficará para trás e nós voltaremos, infelizmente, a nos acostumar com essa nossa peculiar cultura esportiva. Pelo menos até 2024.
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