Hoje, 27 de agosto, é dia do psicólogo, uma profissão relevante no esporte atual. O pilar mental do atleta, a pressão psicológica, ou melhor, a saúde mental de atletas em uma competição tem vindo com manifestações públicas de celebridades do esporte.
Naomi Osaka, tenista responsável por acender a pira olímpica, abandonou Roland Garros depois de ter sido multada e ameaçada de expulsão por não falar com a imprensa – “Frequentemente sinto que pessoas não têm consideração pela saúde mental de atletas”, disse. Durante as Olimpíadas de Tóquio, a ginasta Simone Biles, de 24 anos, desistiu de disputar finais alegando que precisava cuidar da sua saúde mental.
Simone Biles e Katie Ledecky
Getty
No futebol, vimos Gabriel Barbosa punido por chamar o futebol brasileiro de várzea, árbitro punido por dizer que os jogadores de Vasco e Vila Nova estavam acostumados com arbitragem de Série B, entre muitos outros exemplos que poderia citar.
Atuei durante 15 anos nos campos em função da arbitragem e hoje comento arbitragem nos Canais Esportivos da Disney, falo por experiência própria como a saúde mental é fundamental para o bom desempenho de um trabalho, a relevância de se trabalhar o pilar mental, ainda mais em tempos de redes sociais onde as críticas e pressões são mais visíveis e muitas vezes mais fortes, até mesmo agressivas algumas vezes.
Conversei com duas psicólogas esportivas, de forma exclusiva para este blog, que trabalham com alto rendimento: Dra. Gisele Silva, psicóloga da Sociedade Esportiva Palmeiras, mestre em Educação Física, Doutora em Psicologia, trabalhou nas categorias de base de futebol e agora atua com o profissional e, também, Dra. Marta Minopoli, psicóloga do Red Bull Bragantino e CBAt (Atletismo Brasileiro), especialista em Psicologia do Esporte.
Segundo a Dra. Marta Minopoli, a psicologia do esporte já faz parte da vida e da preparação de muitos atletas, iniciando na formação esportiva e chegando até o alto rendimento. Desde o ciclo olímpico do Rio 2016, muito psicólogos têm tido espaço para o trabalho junto às confederações, clubes e instituições esportivas, o que faz com que a área se fortaleça dentro desse cenário. No esporte, nossa atuação tem uma melhor abertura justamente por não conseguirmos isolar a performance física e tática da preparação mental.
Hoje, os atletas, treinadores e dirigentes sabem que essa preparação é fundamental e consequentemente fazem parte da rotina de trabalho dentro do ambiente esportivo. Temos cada vez mais evidências científicas que esse tipo trabalho faz muita diferença durante o processo de performar em alto nível. Um atleta tem que ter um equilíbrio entre a parte social, física, técnica, tática, e mental também faz parte dessa equação.
Conversei com a Dra. Gisele do Palmeiras sobre os atletas da categoria de base e com a Dra. Marta sobre a Psicologia no Esporte de maneira geral.
Renata Ruel: Muitos jovens desistem do futebol na adolescência? Em quais idades isso mais ocorre e qual o principal motivo?
Dra. Gisele Silva: Na minha experiência, eu observo que os atletas que desistem estão no meio da adolescência, perto dos 14 e 15 anos. É bem subjetivo o que contribui para essa desistência, mas o que percebo é um conjunto de fatores e um deles é a estrutura familiar, o atleta tende a se sacrificar mais aos desafios do esporte quando não tem uma situação afortunada, avantajada, mesmo com as dificuldades de distância, alimentação entre outras coisas a persistência é maior. Quando o atleta vem de família simples, que vislumbra a possibilidade de um futuro no futebol, ele reclama menos, eu percebo um esforço do atleta em se manter, é um atleta que se mantem mais conectado com os propósitos e adversidades que surgem no caminho. Já quando o atleta tem melhores estruturas familiares e financeiras, pensa mais facilmente em outras oportunidades, como estudar inglês, fazer intercâmbio, cursar universidade além do futebol para ganhar dinheiro, além da família não cobrar tanto. De um lado temos o atleta que tem pouca estrutura e a família deposita todas as expectativas em cima dele e “põe uma pressão” indireta ou direta, dependendo da família, para que ele se mantenha firme no futebol, pois pode mudar a possibilidade de gerações. Já o jogador com melhor condição financeira, se achar que foi injustiçado pelo treinador, que o alojamento não é adequado, ele pondera sabendo que a vida dele não termina ali, tendo outras possibilidades.
Outro ponto relevante é a fase de desenvolvimento humano que os atletas da base se encontram e que envolve situações específicas: desenvolvimento biológico, a puberdade, a definição da personalidade, orientação sexual e de carreira. O adolescente tende, nesta fase, a se desligar mais da família e se ligar mais nos amigos, isto conta para a decisão da permanência no esporte e os desafios do alto rendimento. Enquanto os amigos saem, viagem, comem fast food, ele tem que se privar disso e outras coisas para alcançar suas metas. Quando o atleta quer fazer tudo isso com os amigos, o que faz parte da adolescência, porém tem uma família que depende dele, ele se segura um pouco mais, reclama menos, sai quando pode e se adapta melhor às condições do alto rendimento. Quando ele tem uma vida que favorece ir a uma matinê, viajar, estudar numa boa escola particular, tende a se questionar ‘para que continuar em um ambiente que estou sofrendo?’, pois há um mar de possibilidades pela frente. São vários pontos levados em consideração para desistir ou seguir no esporte. As experiências e demandas que eu tive foram em cima disso, ‘ah, não posso sair, não posso viajar, jogar vídeo game até de madrugada, meu pai não me deixa fazer isso, o treinador não me aproveita, etc.’
É onde a gente abre para a questão do sofrimento e doenças emocionais: depressão, pânico, ansiedade que podem se desenvolver.
Como os atletas da base lidam com a pressão e redes sociais? E como trabalhar isso?
Dra. Gisele: A rede de apoio como chamamos, família e amigos, influencia muito nessa idade como citado anteriormente. A rede social também, se o atleta não souber separar o ‘joio do trigo’, acaba dando muita atenção sobre o que pensam sobre ele. E o esporte é justamente isso: “O que as pessoas pensam sobre mim?”
Têm atletas que pela falta de maturidade consideram tudo que falam dele. Desta forma se falam ‘você é incrível maravilhoso’ ele entra em um processo de estabilidade mental. Contudo, se ele faz um jogo não tão bom e a torcida se posiciona contra, é agressiva, pejorativa, como ele considera tudo, toma como parâmetro esse público, ele entra em um sofrimento emocional importante, então ele está sempre vulnerável a opiniões de terceiros, externas. Nesses casos, tanto de rede de apoio quanto redes sociais, a gente trabalha o autoconhecimento, para que ele se autoconheça para que ele saiba pontos que podem trazer prejuízos a ele. Por exemplo, essas opiniões, quem são essas pessoas, de quem ele está pegando opiniões sobre ele, o que ele sabe de si próprio, quais são as virtudes, as fragilidades, para que ele à medida que receber feedbacks de pessoas externas tenha a capacidade de filtrar as informações, seja da rede de apoio ou mídias sociais. O trabalho se desenvolve para que o atleta saiba filtrar relações tóxicas, para que ele se preserve, por exemplo, dependendo do que ele colocar na rede social a carreira pode ser manchada, ser colocada em risco. Até os 17 anos o atleta não tem real noção cognitivamente das consequências que seus atos podem causar, então trabalhamos muito em cima disso também.
Agora falando sobre a Psicologia do Esporte de forma geral com a Dra. Marta:
Vemos atletas falando mais abertamente sobre a saúde mental. A pandemia tem influência nessas manifestações?
Dra. Marta: Sim, falar sobre saúde mental em tempos de pandemia é tão natural quanto falar sobre nosso cotidiano. A pandemia nos fez desacelerar e consequentemente passar a valorizar questões mais internas e pessoais, e os atletas entendem que falar sobre emoções não é mais tabu. O autoconhecimento é o início do processo que poderá levar a uma melhor performance e a psicologia auxilia todo este processo.
As mídias sociais podem ser relevantes ou até mesmo um problema a mais para os atletas, seja em função da pressão, agressividade, apoio do público em geral ou em relação ao próprio atleta se preocupar com publicações e marketing?
Dra. Marta: Com certeza. Nós buscamos identificar qual a relação que os atletas têm com as redes sociais e se a influência é positiva ou negativa. Em fase competitiva, o foco do atleta deve ser a performance e dividir a atenção com publicações de conteúdo pode atrapalhar sim toda a dinâmica de trabalho, justamente por não termos controle sobre o que pode acontecer com essas divulgações.
Como trabalhar a saúde mental dos atletas e dos árbitros também para competições de alto rendimento?
Dra. Marta: O trabalho da psicologia do esporte é baseado em toda uma periodização mental que é trabalhada de maneira individualizada, respeitando as características da personalidade dos atletas e árbitros. O objetivo, antes da performance, é entender o ambiente no qual estas pessoas estão inseridas, conhecer seus objetivos e metas e trabalhar para proporcionar melhor autoconhecimento, e consequentemente a melhora do bem-estar, da qualidade de vida e da saúde mental.
Até que ponto a saúde mental do atleta interfere no resultado final do seu desempenho?
Dra. Marta: O ambiente do alto rendimento é de grande cobrança, onde a pressão por resultados acompanha os atletas diariamente, e sem uma adequada estrutura emocional esses resultados e objetivos podem ser comprometidos. Por isso é tão importante contar com este profissional na equipe multidisciplinar.
Um atleta, durante uma disputa, um jogo, competição, acaba oscilando. Isso está diretamente ligado ao psicológico?
Dra. Marta: Existem diferentes razões que interferem na oscilação de performance, e uma delas pode ser a mental. Cada caso tem que ser avaliado individualmente para chegarmos a alguma resposta. Infelizmente, tudo o que é subjetivo e não tem uma resposta técnica ou física imediata pode ser transferido para uma "questão psicológica", por isso temos que ter atenção com algumas análises sem termos as informações concretas sobre aquela questão.
Aproveito para parabenizar a todos os psicólogos pelo seu dia e pelo trabalho que desenvolvem.
Superliga tem times, mas quem serão os árbitros? E quem comandará o VAR (se é que ele existirá)?
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