A estranha intenção de Bruno Lage, com o Botafogo tão bem posicionado, de falar apenas por si

André Kfouri
André Kfouri

Se Bruno Lage disse a verdade quando declarou que “não falei com ninguém” antes de se voluntariar para deixar o Botafogo, conclui-se que a entrevista mais psicodélica da temporada do futebol no Brasil foi uma ideia dele, e de mais ninguém. É preocupante, porém lógico; qualquer pessoa de bom senso o teria convencido a escolher outro tema e, assim, evitar que o ambiente do time que dirige fosse colhido por uma ventania de desconfiança. A parte que preocupa está relacionada aos motivos pelos quais Lage tratou o pós-jogo com o Flamengo de forma tão negligente, sejam eles de natureza estritamente pessoal (mais sobre isso adiante) ou problemas internos que soariam muito surpreendentes, dada a trajetória do líder do Campeonato Brasileiro após 22 rodadas.

A alegação de “libertar os jogadores dessa pressão” é, francamente, estranha. A eliminação para o Defensa y Justicia, na Copa Sul-Americana, foi tratada por uma parte mais vocal da torcida com o tipo de recepção no aeroporto normalmente oferecido a equipes que vencem. E a derrota no clássico, a primeira sofrida pelo Botafogo em seu estádio no campeonato, teve, ao final, aplausos aos jogadores. Em outro trecho de sua fala, Lage mencionou a intenção de impedir que “a pressão que está sendo exercida sobre mim seja exercida sobre meus jogadores”, o que, apesar de contraditório, revela mais detalhes sobre o que estaria causando tanto incômodo. Convém lembrar que foi ele, Lage, quem ouviu críticas a respeito da escalação usada na ida contra os argentinos. E que sua entrevista após o jogo de volta, com a desclassificação consumada, foi caracterizada por reações agressivas a perguntas mundanas que não condizem - as reações, não as perguntas - com o momento do Botafogo.

Ficou no ar, na semana passada e, novamente, no sábado à noite, uma aparente dose de prepotência que pode explicar o arroubo ao melhor estilo “assim não quero mais brincar” do técnico português, arredio aos primeiros sinais negativos e - de novo, aparentemente - mais preocupado com si mesmo do que com a condução do Botafogo a um troféu de valor incalculável. Lage dirigiu na Premier League e é, graças a seu trabalho, um treinador valorizado e promissor. Estar no comando do Botafogo neste ano, com esta campanha e com esta perspectiva histórica, é uma posição que ele poderia tratar com mais liturgia e até mesmo com mais ambição, ao invés de demonstrar um limiar tão baixo de resistência a críticas e apego à oportunidade que se apresenta.

Lage não pode argumentar com surpresa em relação ao nível de exigência, razoável ou não, que encontrou no futebol brasileiro. Mesmo porque a forma como o Botafogo atual, administrado como SAF e com dono americano, trata o cargo de técnico do time lhe oferece muito mais do que a média dos colegas, deixados para trás na classificação por uma vantagem massiva na corrida pelo título. Não é possível garantir, com tantos pontos ainda em jogo, que o Botafogo será campeão brasileiro pela primeira vez desde 1995, mas se pode afirmar que, se não for, a razão terá sido um colapso de proporções colossais. É precisamente para evitar este drama, objetivo que não pede ao Botafogo um desempenho tão bom quanto o que exibiu até agora, que Lage foi trazido para substituir o compatriota Luís Castro.

A única explicação plausível para a breve e problemática entrevista de sábado à noite é uma dessas sacadas ao contrário que, vez por outra, entram para listas infames: uma cartada de um treinador para que se falasse mais dele do que de seu time, e, assim, conseguir alguns dias de proteção aos jogadores. Só que os jogadores do Botafogo não precisam de proteção, mas de confiança e tranquilidade. É uma pena que Lage não tenha conversado com ninguém antes de ir à sala de entrevistas do Nílton Santos. A não ser que sua intenção fosse apenas falar por si.

O português Bruno Lage, técnico do Botafogo
O português Bruno Lage, técnico do Botafogo Buda Mendes/Getty Images
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Meligeni x Rios, Santo Domingo, 2003

André Kfouri
André Kfouri

Para celebrar os 20 anos da medalha de ouro de Fernando Meligeni no Pan-Americano de Santo Domingo, eis o relato, em primeira pessoa, da final contra o chileno Marcelo Rios. O texto é um dos capítulos do livro "Aqui Tem! Vitórias e Memórias de Fernando Meligeni", que escrevemos juntos.

*****

Marcelo Rios era o problema.

Cheguei à final dos Jogos Pan-Americanos, em Santo Domingo, tendo passado pouco mais de três horas na quadra, em quatro jogos. Não perdi nenhum set para o argentino Carlos Berloqc (6/2, 6/3), para o americano Jeffrey Morrisson (6/3, 6/4), ou para o venezuelano Jose De Armas (6/4, 6/2). O jogo mais complicado foi contra Morrisson, porque ele tem um estilo de saque e voleio. O Maurão (Mauro Menezes, técnico) tinha visto um jogo dele e me aconselhou a me preparar para enfrentar um cara que botaria pressão, subindo à rede o tempo todo, insistindo em bolas na minha esquerda. Consegui executar nosso plano de fazê-lo se mexer para os dois lados, tirando a bola da altura da cintura para incomodá-lo. E deu certo. O calor também ajudou, porque ele ficou bem vermelho...

Não posso esquecer que, na segunda rodada, tive a vitória mais fácil da minha carreira, contra o porto-riquenho Gabriel Montilla. Por W.O. (sigla para Walk Over).Ele não apareceu. Foi a primeira vez que eu vi isso acontecer no tênis profissional. Cheguei ao clube bem cedo para me aquecer. O jogo era o primeiro do dia, às dez da manhã. Exatamente no horário, eu já estava dentro da quadra, esperando por um cara sobre quem eu não tinha nenhuma informação. O tempo ia passando enquanto eu pensava em como analisaria o jogo dele nos primeiros games... e nada do rapaz. O juiz virou para mim e disse que iria marcar 15 minutos. Cinco, dez... e continuamos esperando. Não seria nada mal ganhar sem um pingo de suor, além de uma chance de me livrar de uma surpresa desagradável, se ele fosse aquele moleque que ninguém conhece e joga muito tênis. Quinze minutos. Concluímos que meu adversário definitivamente não vinha. 

O árbitro me explica a regra, que eu nem conhecia: “A partir do momento em que eu te informar que o tempo acabou, você tem de sair da quadra. Quando você pisar fora da quadra, acabou, você venceu por W.O. e não tem mais volta.” A coisa parece um ritual medieval, mas é assim mesmo. Iniciei a curta caminhada para fora da quadra, pensando no que faria se o visse correndo desesperado, como um aluno atrasado para uma aula que não poderia perder. Se saio, posso parecer meio cagão. Se fico, e perco, jamais me perdoaria. Olhei pra baixo e esperei o grito “NÃO SAIA DA QUADRA!!”, que não veio. 

Gabriel Montilla havia sido traído por um erro de sua técnica, a ex-tenista porto-riquenha Gigi Fernandez, que disse que ele só tinha um jogo de duplas naquele dia, às 2:30 da tarde... Portanto, não é exagero dizer que o sol de quarenta graus e as rajadas de vento no Parque Del Este, local dos jogos, me atrapalharam mais, no caminho para a final, do que meus próprios adversários.

Mas faltava o último. E, desde que chegamos à República Dominicana, eu sabia que encontraria o chileno, conhecido no circuito como “El Chino”, mais cedo ou mais tarde. Apesar de suas famosas alterações de humor, ele estava lá para ganhar uma medalha de ouro inédita para o Chile, turbinado por um prêmio de 50 mil dólares oferecido pelo Comitê Olímpico de seu país. E tinha certeza absoluta de que a medalha já estava em seu pescoço. E o dinheiro, no bolso.

Não o culpo. Da mesma forma que eu analisei minhas chances, ele fez o mesmo. E da mesma forma que o identifiquei como meu principal adversário, ele pensou o mesmo a meu respeito. Deve ter se animado, já que o histórico de nossos confrontos era TOTALMENTE favorável a ele: cinco vitórias em cinco jogos. Nos primeiros dias, enquanto ainda experimentávamos a quadra, o Maurão  marcou um treino entre nós dois. Tomei um 6/1 categórico, e lembro do comentário do meu técnico logo depois.

"Pô Fino, não tem nenhum furo no jogo dele!"

Dois dias depois, marcamos outro treino. Eu tinha dado uma entrevista para o jornal da cidade, falando sobre a minha decisão de encerrar a carreira no Pan. Não sei se Rios leu ou alguém comentou, o fato é que ele veio falar comigo.

Disse que também estava pensando em parar, mas ainda não sabia quando. E fez uma brincadeira que não me caiu bem no estômago: "Que lastima, en tu despedida, veniste por la medalla de plata...". Ele me venceu, de novo, por 6/2, o que me incomodou bem menos do que a provocação em tom de brincadeira, que me lembrou de um episódio que aconteceu no torneio de Washington (EUA), no ano anterior.

Eu tinha vencido Andy Roddick na terceira rodada, e estava muito confiante para enfrentar Rios, pelas quartas-de-final. Ganhei o primeiro set por 6/3, perdi o segundo por 6/4 e, no terceiro, tinha 5/3 e saque para fechar o jogo. Saquei com match-point e, depois de uma longa troca de bolas, ele subiu à rede. Tentei uma passada e, num lance em que mostrou toda sua habilidade, Rios fez um voleio botando tamanho efeito na bolinha, que ela quicou na minha quadra e voltou para o lado dele. Eu corri como um louco tentando chegar, acabei me desequilibrando e me enroscando na rede, só para vê-lo pegar a bola com a mão e me olhar com aquela cara de veja-só-como-eu-sou-foda...

Perdi o jogo e uma aposta. Antes do torneio começar, tinha dito ao (tenista brasileiro) Flávio Saretta, ao (técnico de Saretta, na época), João Zwetsch, e ao (meu técnico) Enrique Perez que, se eu chegasse à semifinal, iríamos todos para Long Island (torneio seguinte) de limusine, por minha conta. Como perdi, alugamos um carro qualquer. Eles me xingaram a viagem toda: "Carro de merda..."

O fato é que eu teria uma lembrança muito mais agradável de Marcelo Rios se conseguisse vencê-lo em meu último jogo como profissional. E a teoria não era complicada. Eu sabia que ele jogaria 80% das bolas na minha esquerda, portanto uma parte do meu plano de jogo era me movimentar muito, chegar nas bolas a tempo de fugir da esquerda e usar minha direita (uma explicação: no tênis, o golpe de direita é chamado de forehand - imaginando que a raquete não existe, é o golpe dado com a palma da mão na bolinha. O golpe de esquerda recebe o nome de backhand - imagine "as costas" da mão em contato com a bolinha. Portanto, um tenista canhoto, como eu, bate a direita do lado esquerdo do corpo, e vice-versa.). Eu também teria de ser muito agressivo, surpreendê-lo ao tomar a iniciativa de atacar. E o mais importante: teria de "ficar com ele", não deixá-lo se distanciar, mostrar que iríamos caminhar juntos até o final.

Da teoria à prática, as coisas não poderiam ter começado de forma melhor para mim, naquele domingo de dia dos pais. Meu plano de jogo estava funcionando à perfeição, fugindo da esquerda e disparando bolas vencedoras com a ajuda da quadra rápida. O chileno ficou surpreso. No esporte, quando isso acontece, geralmente o reflexo aparece no placar. Fiz 3 games a zero, quebrando o primeiro serviço dele. E depois tive vantagem de 4 a 1.

Mesmo perdendo o jogo, a cara de Rios era de deboche. Ele me olhava (é um dos jogadores que mais encararam o adversário durante uma partida) como se quisesse me perguntar: onde estava essa vontade toda quando treinamos? Sacando com 4 a 2 e 40/30, desconcentrei-me numa bola que desviou na fita da rede e foi para fora, e perdi um pouco do foco. Erro fatal que levou à quebra do meu serviço. Um game mais tarde, jogo empatado: 4 a 4.

Aqui vamos nós de novo, pensei. Bastou um momento de desconcentração para que eu desperdiçasse uma vantagem considerável.

No 5/5, não consegui confirmar meu serviço. E quando Rios sacou para fechar o primeiro set, com tudo a seu favor, mostrou um problema que iria acompanhá-lo por toda a tarde: falta de confiança. Cometeu duas duplas-faltas em momentos importantes do game, não sacou bem. Quando um tenista como ele, que já foi número 1 do mundo, está confiante em seu jogo, raramente falha em pontos-chave do jogo. Fecha o game com autoridade, sem correr riscos.

Ele ganhou o game e o primeiro set. Mas quando estava sentado na cadeira, lamentando as chances que perdi, lembrei que, pelo menos, ele não parecia tão forte.

Senti o apoio da galera que estava sentada logo atrás de mim, no meu "corner": O Maurão, o (tenista brasileiro) Márcio Carlsson, o (fisioterapeuta) Alexandre, as meninas (Bruna Colósio, Joana Cortez e Maria Fernanda Alvez, tenistas brasileiras) e o Alemão (Robert Scheidt, iatista brasileiro). Todos gritando o que eu já repetia há dias na minha cabeça: fica com ele! É seu último jogo! Vamos virar essa merda!

A partir daquele momento, eles teriam uma participação importante no jogo e uma influência decisiva no meu estado de espírito dentro da quadra.

O segundo set começou muito equilibrado, sem quebras, até que joguei mal no 4 a 4 e vi a medalha me escapando. Marcelo Rios ia sacar para o jogo. Honestamente, pensei que acabaria ali. Ele não iria bobear de novo. Bastava que fizesse o be-a-bá, e eu não teria chances. Mas eu já tinha saído de tantos buracos parecidos na minha carreira, que minha atitude nesses momentos era quase automática:

Fica com ele. Ele pode te abrir uma porta. E se abrir, mete o pé.

Assim foi o game:

0/0: Devolvi bem, trocamos algumas bolas e eu arrisquei uma direita vencedora. Bola dentro.

0/15: Bom saque, Rios subiu à rede e fez o voleio. Depois, me encarou.

15/15 (1 hora e meia de jogo): Ele errou o primeiro saque. Fui agressivo na devolução e pro risco de novo: direita na linha!

15/30: Errou o primeiro saque. E mandou uma esquerda pra fora. (o ponto anterior o fez ter pressa para empatar, minha agressividade deu resultado)

Ali estava a chance, a porta aberta. Rios mostrou ansiedade na hora de vencer o jogo. Eu não podia deixar passar a oportunidade de sobreviver. Dois pontos para quebrar o saque dele:

15/40: Ace no meio. (Que hora...)

30/40: Um dos pontos mais disputados do jogo. Ele sacou bem, ficou me jogando de um lado para o outro. Cheguei em duas bolas quase impossíveis, arrisquei uma direita suicida e ele bateu a esquerda pra fora. 5 a 5!!

AQUI TEM!! AQUI TEM, CARALHO!!!

Gritei, apontando para o pessoal do Brasil, num momento de explosão que não consegui controlar. Olhei também para o chileno, pra ele ver que eu ainda tinha gás para mais algumas horas de luta. Confirmei meu serviço, para fazer 6/5. No caminho para nossas cadeiras, nos cruzamos na rede, e fiz questão de dar uma risadinha sarcástica. Agora quem estava sentado, lamentando, era ele.

Mesmo assim, Rios confirmou seu saque.

Com 6 a 6, ia começar o tie-break mais incrível que já joguei. Saí perdendo, Rios logo fez 2 a 0. Quando uma esquerda pegou um pouco da linha e o juiz cantou fora, 3 a 0. Fiz uma cena com o árbitro de cadeira, tentativa clara de parar o jogo um pouco, senão eu não duraria muito mais. Não funcionou. O placar chegou a 5 a 1, e eu estava no buraco de novo. A dois pontos da derrota, eu precisava de alguma coisa para acreditar. Qualquer coisa para me ajudar a sair. 

Rios me estendeu a mão, outra vez. Fez uma dupla-falta (5/2) e me deu a oportunidade de, com dois pontos com meu saque, voltar para o jogo. Pedi a toalha, sequei os braços molhados de suor, pensando: será que ele está sentindo a pressão?

E fui sacar:

5/2: saquei bem, ponto disputado, que venci numa esquerda vencedora (deve ter sido a terceira ou quarta em toda a minha carreira...).

5/3: Ótimo saque, Rios errou a devolução.

5/4: Rios sacou bem, devolvi pra fora. Match-point pra ele.

6/4: Dupla-falta! (e a resposta para a pergunta acima: sim, está.) Mas ele ainda tinha outro match-point.

6/5: Saquei fraco, com um medo tremendo. Mas ele deveria estar com mais medo ainda: devolução na rede.

6/6:    Saquei na linha, devolução errada. SET POINT pra mim!!

7/6: Bom saque aberto de Rios, subindo à rede. Mas o voleio foi pra fora. 

JOGO EMPATADO!

No momento em que sentei na minha cadeira, uma coisa ficou clara: ele estava com muita dificuldade para se impor nos momentos decisivos, o que não é comum para jogadores desse nível. Eu estava longe de pensar que ganharia o jogo, mas, pô, tinha superado duas situações difíceis e o terceiro set seria de quem quisesse mais. Nós dois estávamos muito cansados, um ótimo teste para meus 30 dias dedicados à preparação física para jogar o Pan.

Nesse momento a quadra virou um caldeirão. De um lado, o Dartagnan e sua turma. Do outro, um chato que ficava puxando aquele grito “Chi-chi-chi-le-le-le, viva Chile!!”. O jogo ganhou clima de Copa Davis, ficou uma guerra, do jeito que eu gosto. Barulho do lado de fora, tensão no lado de dentro e muita provocação nas viradas de quadra. Consegui uma quebra no terceiro game, para fazer 2 a 1. Pela primeira vez em todo o dia, Rios abaixou a cabeça. E pela primeira vez, pensei que a coisa estava ficando boa para mim. 

As viradas de quadra eram um jogo à parte. Nessa hora olhei pra ele e disse “Vamos Chino, tenemos muchas horas por jugar...”. A cada descanso, ouvia o tradicional “VAMOS FINO, FORÇA!!”, do pessoal atrás de mim. E as orientações (“vai pra cima dele, é hora de fechar a porta!”) do Maurão. Só que o esporte é engraçado, pelo número de vezes em que te engana pelas aparências. Justamente quando achei que ele estava entregando os pontos (afinal, já o tinha visto fazer isso tantas vezes), disputamos um game duríssimo no 3 a 2. Ele venceu, quebrando o meu saque, e empatou o set. E foi a vez dele me provocar: “Dale viejo, estás cansado?” Já não era um jogo de alto nível técnico, pelas condições. Passou a ser uma luta.

Com 3 a 3, ele sacou e fez 40/0, mas não fechou. Quando ganhei o game, Rios atirou a raquete no chão, cena simbólica que mostrou que aquilo que ele acreditava estar em suas mãos, não estava mais. Fiz 5 a 3, tive um match-point no saque dele, mas errei a devolução. Com 5 a 4, era a minha oportunidade de servir para o set, o jogo, a medalha de ouro, e a despedida perfeita.

Tenho de ganhar os dois primeiros pontos.

Foi o que me passou pela cabeça naquela hora. Eu precisava comandar o placar do game. Duas porradas bem colocadas de Rios rasgaram meu planinho: 0/30. Eu esperava que ele se arriscasse, mas nem tanto. Para piorar, fiz uma dupla-falta que levou o placar para 0/40, e me senti cavando outro buraco na quadra de cimento do Parque Del Este. Perdi o game sem fazer nenhum ponto. Dessa vez, a raquete atirada ao chão foi a minha.

“Pra cima dele de novo, Fino! Ele não tem confiança pra ganhar, você tem que acreditar e ser agressivo...”, ouvi o Maurão, tentando me trazer de volta para a realidade, sabendo que as coisas estavam por um fio. As pessoas sempre querem saber o que a gente pensa durante um jogo, o que usamos para nos estimular nas horas mais difíceis. Eu só posso falar por mim, mas garanto que, muitas vezes, não dá pra pensar em nada. Outras vezes, minha cabeça é invadida por tantas coisas, que não lembro o que eram. O mais importante é que simplesmente não dá tempo para ficar conjecturando sobre a importância daquela situação e o que fazer a respeito dela.

Tudo isso para dizer que... sim, eu pensei em um monte de coisas. Enquanto Marcelo Rios se preparava para sacar, com 5 a 5, no terceiro set do meu último jogo de tênis. Pensei nas duas vezes em que estive muito perto de conquistas importantíssimas, em que tive a chance de fazer história, e essa chance me escapou. Pensei na Olimpíada de Atlanta, em 1996, e no torneio de Roland Garros, em 1999. Em Atlanta, perdi uma medalha olímpica. Em Paris, perdi na semifinal. Perder é do jogo e da vida, eu sei. Mas algumas derrotas são mais difíceis de ser digeridas. O gosto ruim fica, como se só uma grande alegria fosse capaz de eliminá-lo. Eu não queria viver aquilo de novo, mesmo porque não teria como fazer nada. Minha carreira terminaria naquela tarde...

Rios me atropelou para fazer 6/5. De repente, ou eu levava a decisão para mais um tie-break, ou tudo (e eu quero dizer, TUDO) acabaria ali mesmo. Já passávamos de 2 horas e 40 minutos de jogo, quando cometi erros não-forçados nos dois primeiros pontos do game. Àquela altura, Rios tinha ganhado dez pontos seguidos. Calor, cansaço, pressão, chances perdidas. Meu humor não estava dos melhores. Acertei um saque que ele não devolveu, mas joguei uma bola na rede no ponto seguinte: 15/40.

Sacando com dois match-points contra, não havia muita margem para erro:

15/40: Grande saque, ele quase não tocou na bola.

30/40: Outro bom saque, devolução na rede.

40/40: Subi à rede, voei numa passada na paralela muito difícil, mas deixei a quadra aberta para ele vencer o ponto. Na rede, Rios vibrou na minha cara. Match-point. Momento de raiva quase insuportável, odeio perder esses pontos suados.

Vantagem-contra: Ponto disputadíssimo. Mandei uma bola na fita e outra na linha, e fechei o ponto com uma paralela arriscadíssima. Fechei o punho e gritei com o que me restava de força: VAMOOOOOOOOOOOOOOSSSSSS!!

Iguais: devolução na rede.

Vantagem-a-favor: outra devolução na rede! 6 a 6.

E no tie-break decisivo, eu abri 5 a 1. 

Exatamente o mesmo placar que Rios teve no segundo set. 

Se fizer 6 a 1, eu ganho, pensei, e mandei uma direita na linha, que até hoje eu tenho certeza de que pegou mesmo um pedaço da linha e foi o meu sexto ponto. 

Mas o juiz cantou bola fora. 

Ajoelhei no meio da quadra, mas obviamente não adiantou, 5 a 2.

No 5 a 3, Rios mandou uma bola para fora, e me deu três match-points, os dois primeiros com meu serviço:

6/3: Primeiro saque na rede. No segundo, boa devolução de Rios, erro não-forçado.

6/4: Primeiro saque pra fora. No segundo, devolução funda, erro não forçado. Minhas pernas já estavam na ambulância...

O que está acontecendo aqui?! Como posso querer ganhar, se nem consigo fazer ele jogar?

Apenas um pensamento para o ponto seguinte: manter a bola na quadra, passar a pressão para o outro lado.

6/5: Bom saque de Rios, devolvi na linha de fundo, e ELE BATEU UMA ESQUERDA CURTA, QUE NÃO PASSOU!!!

5/7, 7/6 (8/6) e 7/6 (7/5), em 2 horas e 53 minutos de jogo.

Minha raquete foi pelos ares, não parei de pular até a quadra ser invadida por atletas, torcedores e jornalistas. A sensação é a melhor que um esportista pode experimentar: a mistura da alegria com o cansaço. É como se as dores de cada parte do seu corpo fossem lembretes de que, naquele dia, ninguém foi melhor do que você. Que você está sozinho, no topo. Os pensamentos foram muitos, desconexos, sem fim. Tentei responder as perguntas que me pediam para descrever o que estava sentindo. Tarefa impossível. E até hoje me faltam explicações para entender como o último jogo da minha carreira foi um filme do que vivi em quatorze anos nas quadras. Um roteiro que, se eu tivesse escrito, não seria tão fiel ao tenista que fui.

Só sei de uma coisa: todo jogador deveria ter a despedida que eu tive.

Fernando Meligeni após a conquista do ouro pan-americano em 2003
Fernando Meligeni após a conquista do ouro pan-americano em 2003 Getty


 

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O futebol de Diniz na seleção, seu significado e o inexplicável prazo de validade

André Kfouri
André Kfouri

Ainda não é possível viajar no tempo, mas a memória - especialmente quando há afeto - é uma ferramenta poderosa. Na idade em que o futebol começa a nos preencher a alma, primeiro com contornos lúdicos e depois com a identificação com jogadores e camisas, o jogo é uma brincadeira coletiva: os amigos, a bola e o gol. E seja onde for, na rua, num jardim, numa quadra, o que se deseja é jogar. Não se joga sem a bola, sem os amigos, e sem procurar o gol. O espírito do futebol no Brasil, o que se conhece como próprio e gera admiração mundo afora, é um sentimento muito anterior a estruturas, estratégias ou até mesmo ideias. É a sensação calorosa de um passatempo compartilhado em todos os sentidos, em que, num contexto ainda sem organização, todos querem jogar tanto que apenas uma bola não é suficiente. Você se lembra?

Voltemos, pois, a 2023, e ao estágio mais elevado do jogo profissional no país. A chegada de Fernando Diniz ao papel de técnico da seleção brasileira representa uma conexão - involuntária, como se verá adiante - direta com este futebol singelo que, independentemente dos níveis de proximidade e conhecimento que se possa estabelecer, é comum a todos aqueles que se apaixonaram, jogadores profissionais incluídos. Se não, vejamos: o que mais, além das impressões geradas pelo tipo de jogo que Diniz apresenta, o trouxe até aqui? Sua trajetória não é longa o suficiente, seus resultados são utilizados para criticá-lo, seu nome não tem o lastro que normalmente se exige como condição para este trabalho. O que mais? O desejo, disseminado pelo contato entre selecionáveis no Brasil e no exterior, de atuar numa seleção em que aquele futebol, aquela brincadeira, aquele passatempo, encontram-se com o apogeu do esporte.

Muitas camadas abaixo das considerações táticas e dos exageros conceituais, a essência do futebol que Fernando Diniz carrega dentro de si está baseada na solidariedade, essa virtude tão rara. Se fosse possível traduzir um jeito de jogar com uma frase, seria algo como “não deixe seu companheiro sozinho no ataque, e, muito menos, na defesa”. É dessa noção que se origina a reunião de jogadores ao redor da bola, como recurso para oferecer opções de passe e seguir jogando. A bola como referência, ao invés do espaço, se relaciona com um tipo de organização ofensiva tipicamente sul-americano, assim como, no plano das lembranças afetivas, remete à “desorganização” do futebol na infância, quando apenas se queria jogar. Diniz não é um acadêmico e nem alimenta tal pretensão, mas poucos treinadores propõem com tanta convicção o jogo que sentem até o último fio de cabelo, sem concessões em nome de atalhos ou proteções.

Dentro e fora do Brasil, o sucesso do Fluminense - sem dúvida a equipe que melhor interpretou as ideias de Diniz - tem produzido excessos analíticos que o apresentam como um time “revolucionário” ou como uma resposta a estruturas mais rígidas no aspecto das posições, como se Diniz tivesse a intenção de caracterizar um ciclo da evolução do jogo ou mesmo se o fizesse sem notar. O conceito de aproximar vários jogadores no setor da bola está documentado há décadas não só no futebol, como também em outras modalidades coletivas em que as equipes ocupam os mesmos espaços. O que provavelmente distingue as equipes dirigidas por Diniz é a quantidade de jogadores que se reúnem e o constante revezamento de posições entre eles. No mais, é tocar, tocar e recomeçar. Você se lembra?

Transportar esse tipo de futebol para a seleção brasileira é uma escolha tão significativa e, por que não?, tão ousada, que faz sentido apenas como uma aposta total, um “all in”. Tem que ser uma aventura, não uma experiência. E o maior contrassenso de todos é o estabelecimento de um prazo de validade que não contempla uma Copa do Mundo. O debate sobre a “Operação Ancelotti”, trapalhada que define a CBF como poucos eventos em sua história, tem gerado pérolas como a de quem é capaz de olhar para a camisa mais icônica do futebol mundial e dizer que só importa ganhar a Copa, além de justificativas que chegam ao cúmulo de desvalorizar o processo de construção de equipes, pois, afinal, trabalhos longos não garantem conquistas. É sintomático que ninguém queira, ou saiba, dizer o que acontecerá caso o estágio de Diniz resulte num time encantador. Alguém consegue torcer contra essa hipótese?

Se há algo de que o futebol brasileiro não precisa é ganhar uma Copa com um treinador alugado (nada, absolutamente nada, contra um técnico consagrado como Carlo Ancelotti ou a presença de um treinador nascido em outro país no comando da seleção), num projeto que reserva um ano a um trabalho que será, em tese, arquivado. Há momentos em que parece que a opção por Diniz é um seguro para a possibilidade de Ancelotti não vir, o que, se por um lado pode ser uma simples ingenuidade, ao menos permite imaginar o que seria erguer um mundial com aquela brincadeira, aquele passatempo, aquele futebol. Você se lembra?


Fernando Diniz em sua 1ª coletiva como técnico interino da seleção brasileira
Fernando Diniz em sua 1ª coletiva como técnico interino da seleção brasileira EFE/André Coelho


 

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Marcelo Bielsa é capaz de ensinar os gauleses a dançar

André Kfouri
André Kfouri

Marcelo Bielsa estava em uma clínica de vida saudável, em Porto Alegre, quando foi procurado pela Associação Uruguaia de Futebol, no mês passado. Após revelar interesse em seguir conversando sobre a possibilidade de assumir a seleção nacional, o treinador argentino assistiu a 80 jogos do time e elaborou um documento detalhado com informações minuciosas sobre jogadores uruguaios praticamente desconhecidos. As pessoas que participaram das reuniões com Bielsa relatam um nível quase obsessivo de conhecimento sobre a realidade do futebol no Uruguai, em todos os aspectos, mas também a respeito do contingente de futebolistas no país. De um jovem zagueiro que pouco se fala, Bielsa sabe onde começou, com quem, como atua em linha de três ou quatro defensores, virtudes, carências e perspectivas. O acordo anunciado ontem não é apenas uma mudança de comando ou o início de um período em que o futebol uruguaio - não apenas a seleção - terá a oportunidade de se conhecer melhor, mas uma era de transformações profundas, que, se bem aproveitada, pode levar a um passo adiante no sentido estrutural e competitivo.

"Precisamos de alguém que nos revolucione e nos tire do conservadorismo. Não sei se vai ele vai conseguir, mas vai tentar", diz Diego Lugano, capitão celeste por oito anos. "Talvez seja até mais importante para o futebol uruguaio do que para a seleção", acrescenta. Lugano conversou com jogadores que trabalharam com Bielsa, como Javier Zanetti e Maxi Rodríguez, e ouviu que o novo comandante da seleção "deixa um legado conceitual por onde passa", o que é precisamente aquilo que o Uruguai necessita para descobrir e aplicar um potencial futebolístico que o país provavelmente ignora. O custo será a adaptação aos métodos de um treinador lendário por sua maneira de ser e trabalhar. "Bielsa é louco de verdade, em exigência. Alguns técnicos se fazem de loucos. Bielsa é louco de verdade e deixa os jogadores loucos também, mas o trabalho em seleção é mais pausado e isso pode ser benéfico", afirma Lugano.

Da preparação física à comunicação, a seleção uruguaia jamais será a mesma depois de Bielsa, que assinou contrato até 2026. Quem sentirá as mudanças em todos os órgãos do corpo serão os jogadores, cujas impressões sobre o que está por vir, por mais elaboradas, estão distantes do que experimentarão sob as ordens de um técnico iconoclasta, tal qual um líder espiritual, que recebe atletas em sua paróquia futebolística para um internato e os entrega dotados de capacidades que desconhecem . "Ele vai convocar jogadores dos clubes uruguaios e vai devolvê-los completamente mortos, porque ele não se preocupa com nada além do trabalho dele. E tem que ser assim mesmo", opina Lugano. O salto poderá ser medido também pela revelação de jogadores que talvez nem sonhem com a camisa celeste, algo crucial para uma nação que frequenta a Copa do Mundo - e conquista Copas Américas - extraindo jogo de uma população de 4 milhões de pessoas. "Bielsa vai fazer o que fez na Argentina. Vai convocar jogadores que ninguém imagina, como quando tirou Mascherano da reserva do reserva no River Plate e levou para a seleção", diz Lugano, referindo-se à convocação e à estreia do jovem Javier com a camisa da Argentina, aos 19 anos, antes de jogar um minuto sequer pelo time principal de seu clube.

Pode parecer um tanto contracultural contratar um técnico inflexível quanto ao futebol ofensivo - e às ferramentas para interpretá-lo - para dirigir uma seleção historicamente associada a uma forma sanguínea, quase atávica, de se defender. O segredo talvez esteja no que se pode descrever como uma espécie de reversão de personalidade. Poucas seleções nacionais ao longo dos tempos foram capazes de exibir tanta coesão sobre "como jogar" futebol. Goste-se ou não do estilo e de alguns subprodutos como o excesso de agressividade física, é inegável que os uruguaios se entregam de corpo e alma a um idioma futebolístico em que são fluentes desde as mais precoces categorias de base. É possível que tenha chegado a hora de ensiná-los a falar uma outra língua, na qual poderão se expressar com a mesma coesão e espírito coletivo enraizados em suas medulas. É uma tarefa comparável a converter os gauleses em uma companhia de dança, mas, se alguém pode fazê-lo, é Bielsa. Ele já deve estar caminhando por horas, com passos firmes e cabeça baixa, pensando em como.


Marcelo Bielsa, em palestra na sede da CBF, em 2017
Marcelo Bielsa, em palestra na sede da CBF, em 2017 Reprodução/ESPN


  

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Marcelo Bielsa é capaz de ensinar os gauleses a dançar

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A bola dá voltas: como a generosidade conduziu Fernando Diniz a seu primeiro título

André Kfouri
André Kfouri

Em dezembro de 2017, um amigo em comum reuniu Fernando Diniz e Paulo André para um café. O ex-zagueiro, ainda em atividade como jogador do Athletico-PR, já participava de reuniões e da tomada de decisões no clube comandado por Mário Celso Petraglia, que estava à procura de um técnico. Paulo havia telefonado para Guilherme Prado, que à época trabalhava como assessor de imprensa, para pedir indicações. "Você tem que contratar o Fernando Diniz", disse Prado. A resposta de Paulo André não foi estimulante: "O Diniz não dá... ele é muito maluco".

Prado o convenceu a ir a São Paulo para conhecer Diniz, recém-apresentado como treinador do Guarani, num contrato em que uma cláusula permitia sua saída em caso de oferta de um clube da Série A do Campeonato Brasileiro. O encontro aconteceu no escritório de um amigo de Paulo André, com a privacidade necessária para evitar especulações. A conversa não demorou a confirmar o que Prado tinha dito sobre o nível intelectual de Diniz, a forma como ele comunicava suas ideias sobre futebol e o processo de construção de equipes. "Meu time é baseado nas relações humanas e na solidariedade", disse Diniz. "De maneira simplificada, é uma questão de não deixar um companheiro sozinho nem na defesa e nem no ataque". O que terminou por convencer o jogador-diretor foi a descrição da personalidade do time que Diniz imaginava: "Vamos ser muito defensivos sem a bola, mas vamos jogar no campo do adversário o tempo todo, em qualquer lugar. Até contra o Flamengo no Maracanã".

Paulo André ouviu a última frase ao se levantar para fazer um café, e comentou com Prado: "Esse é o meu treinador".

Assim, após rescindir o compromisso com o Guarani antes mesmo de estrear, Fernando Diniz foi contratado pelo Athletico, passando da Série A-2 do Campeonato Paulista a um clube da elite do futebol brasileiro, o que lhe conferiu projeção nacional. Na sequência de sua carreira, Fluminense, São Paulo, Santos, Vasco da Gama e, novamente, Fluminense. O que é mais curioso nessa história é como o encontro em São Paulo foi possível, uma vez que Prado sequer conhecia Diniz até alguns meses antes, quando atendeu o pedido de um técnico que queria fazer um convite ao jovem treinador que o tinha impressionado e estava desempregado. 

Este técnico era Dorival Júnior, que enfrentou e venceu, com o Santos, o Audax de Diniz na decisão do Campeonato Paulista de 2016. No ano seguinte, após substituir Rogério Ceni no São Paulo, Dorival convidou Diniz para acompanhar o dia a dia no Centro de Treinamentos da Barra Funda, de forma a manter o colega ocupado e em certa evidência. Não era um trabalho, mas uma ajuda de uma pessoa generosa, conhecida no futebol por gestos dessa natureza. Dorival fez mais: pediu a Guilherme, então seu assessor, que procurasse Diniz e o ajudasse quando houvesse uma oportunidade, criando as condições para a indicação ao Athletico Paranaense.

Há uma certa ironia do destino no fato de Dorival ter sido um dos responsáveis pela recolocação de Diniz, seis anos antes de Fernando desossar o time que o demitiu após ser campeão da América e da Copa do Brasil. O que se destaca, porém, em mais uma prova de que a bola - assim como o mundo - dá voltas, é a promessa de Diniz.

"Até contra o Flamengo no Maracanã".


Fernando Diniz
Fernando Diniz MARCELO GONÇALVES / FLUMINENSE FC


 

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O Troféu Pelé está esperando a Fifa acordar

André Kfouri
André Kfouri

Pelé morreu há duas semanas. A melhor ideia da Fifa para homenageá-lo, infelizmente, foi muito ruim. Sugerir que cada país do mundo tenha um estádio com o nome do rei eterno do futebol é uma demagogia pouco inteligente, pela ausência de significado. Pelé não precisa ser nome de estádio na Dinamarca, em Angola ou na Argentina, para que as próximas gerações saibam quem ele foi ou o que fez. A sugestão de Gianni Infantino equivale a uma burocracia preguiçosa, pois permitiria que a Fifa fizesse algo sem fazer nada. Um despacho, uma circular enviada e executada aqui ou ali. É muito pouco e é até feio.

Maradona é nome de estádio em Nápoles, claro. O San Paolo foi sua casa no futebol italiano, os napolitanos o amam incondicionalmente, a conexão emocional é maravilhosa e indiscutível. Há diversos outros exemplos, em que a homenagem se explica automaticamente pela relação entre pessoa e local. É um insulto a Pelé que algum dia, em algum lugar, alguém note que um estádio de futebol leva seu nome e queira saber por quê. Pior ainda porque a resposta incluiria, obrigatoriamente, o fato de ter sido uma orientação de um presidente da Fifa após a morte do Rei.

Como dar a Pelé a honra que ele merece, então? Houve quem sugerisse que o troféu da Copa do Mundo fosse batizado com seu nome. Não é uma proposta ruim, claro que não. Mas a Copa talvez seja a única entidade do universo futebolístico que rivalize com Pelé, e, como tal, provavelmente seja melhor não mexer nisso. A Copa é um torneio, um sonho, um Olimpo... e também é, por semântica, uma taça. Conquistá-la é o prêmio máximo para uma equipe, no mais coletivo dos esportes. Não que o nome de Pelé seja inadequado para um troféu que representa a maior glória imaginável. É que a Fifa tem uma opção mais atraente e já deveria ter pensado nela: o prêmio The Best.

Não é óbvio? A premiação entregue desde 2016 ao melhor jogador de futebol do mundo é uma distinção individual ao "Pelé" de cada ano. Criar o Troféu Pelé, "The Pelé Trophy", para coroar o melhor entre os melhores daria à peça o único nome que poderia batizá-la, além de elevar o perfil do próprio prêmio. (Aqui não se sugere fazer o mesmo com o troféu dado à melhor jogadora do mundo, igualmente importante e que um dia, quem sabe, pode ser batizado como homenagem a uma futebolista histórica).  A cerimônia relativa a 2022 está marcada para 27 de fevereiro. É tempo mais do que suficiente para dar a Pelé o que é de Pelé.

Pelé celebra o título da Copa do Mundo de 1970, no Estádio Azteca, no México, após a vitória do Brasil por 4 a 1 sobre a Itália na final
Pelé celebra o título da Copa do Mundo de 1970, no Estádio Azteca, no México, após a vitória do Brasil por 4 a 1 sobre a Itália na final Alessandro Sabattini/Getty Images

 

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O pai do futebol morreu

André Kfouri
André Kfouri

Pelé não descansará jamais, a referência de máxima excelência em qualquer atividade durará para sempre, porque a busca pela perfeição é uma obsessão humana e o futebol é eterno. O que se vai é seu corpo, a presença física de um superdotado, do gênio que encantou o mundo ainda adolescente e, adulto, reinou com inesgotável carisma no universo real e imaginário do esporte mais popular do planeta. Enquanto a humanidade existir, assim como se dá com os nomes fundamentais em nossa trajetória como espécie, as duas sílabas que se sobrepõem a idiomas e sotaques permanecerão traduzidas, imediatamente, por um sorriso: Pelé.

Pelé era todos nós juntos, embora nenhum de nós fosse capaz de ser um pouco, um mínimo que fosse, de seu esplendor. Sua morte expõe a contradição do declínio físico de uma descomunal força da natureza, capaz de impor sua vontade a jogos de futebol nos quais os demais participantes revelavam-se observadores impotentes de sua influência definitiva. Seus últimos anos evidenciaram o alto preço a ser pago por essa aparente super-humanidade, castigada pela insensibilidade do tempo.

Pelé inventou, ergueu e coroou o que chamamos de futebol brasileiro. O tom de amarelo da camisa, o salto e o soco no ar, a hierarquia indiscutível, tudo emana de seu nome, seu rosto e seus gestos. Ele também inventou um Brasil genial, feroz, carismático e imbatível. A imagem do país se entrelaçou à dele durante o transcorrer de sua vida, porque Pelé era o Brasil, sorridente e sedutor, em todos os cantos do planeta. Este Brasil, que provavelmente só existiu por intermédio dele, morreu com ele.

O jogo que Pelé nos ensinou a amar e que hoje está órfão é sua herança, com as lembranças dos que o viram, a saudade dos que não viram, a camisa 10 reservada aos craques, os movimentos, os dribles, os passes, os gols, tudo o que ele fez antes de todos, melhor do que todos jamais fizeram ou farão. E com a reverência de um povo que se expressa com a bola nos pés e se acostumou ao orgulho gerado pela menção a seu nome, mesmo que apenas por um instante, porque ela significa o que é ser insuperável.

Pelé no milésimo gol, em 1969
Pelé no milésimo gol, em 1969 Getty Images

 

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A Messificação de Lionel

André Kfouri
André Kfouri

Não. Contrariando notícias amplamente divulgadas nos últimos dias, a transformação que foi concluída nesse domingo (18), em Doha, não começou no Maracanã, em 2021. Aconteceu em outro estádio brasileiro, o Mineirão, dois anos antes, quando a Argentina foi eliminada pelo Brasil da Copa América, e Lionel Messi declarou publicamente que a arbitragem trabalhava para dar o título aos anfitriões. Foi algo distinto, um posicionamento pouco característico, um rasgo de indignação que, se rendeu três meses de suspensão impostos pela Conmebol, revelou um Messi vocal, quase raivoso, disposto a defender sua seleção também com atitudes. Ali, contam, em meio a uma seca de troféus que já pesava em suas costas, a figura de um Messi protetor como um irmão mais velho passou a cativar os jovens jogadores da seleção, que o enxergavam tal qual uma criatura mitológica, meio-humana, meio-divina, imune aos incômodos e irritações terrenos.

A aventura de Messi campeão do mundo, o gênio que enfim poderá se sentar à mesa com Pelé e Maradona para conversar sobre a sensação de abraçar a Copa, é um presente do tempo. Um conto paradoxal em que aquilo que se cobrava dele, o que se dizia que não havia dentro dele, é precisamente o motivo pelo qual, hoje, todas as perguntas estão enterradas. A comparação a Diego sempre foi uma proposta impossível. Não importa o quanto se desejasse que Messi fosse sanguíneo, idiossincrático e propenso a uma trajetória pessoal dramática, ele jamais seria capaz de ser como Maradona. Teria de nascer de novo, crescer num outro mundo, ir do barro ao ouro, encantar e decepcionar em medidas semelhantes, ser seu próprio herói e sua própria vítima. Nas palavras de Ernesto Cherquis Bialo, o jornalista argentino que melhor definiu Maradona em sua complexidade genial, Messi é um indivíduo que sempre aceitou o papel que a vida lhe reservou. Filho de seus pais, irmão de seus irmãos, amigo de seus amigos, não precisou transgredir e desafiar os destinos pré-estabelecidos. Messi sempre foi "só" futebol, asséptico e inacessível em sua perfeição, o que incomodou a quem queria se ver nele.

ARGENTINA 3 (4) x (2) 3 FRANÇA: ASSISTA PELA ESPN NO STAR+ AO COMPACTO DO JOGO COM NARRAÇÃO DE NIVALDO PRIETO E COMENTÁRIOS DE GIAN ODDI

Mas é exatamente por ter sido assim, por ser assim, que Messi foi capaz de, aos 34, 35 anos de idade, estar no mesmo vestiário de futebolistas que o têm como ídolo, como provam as fotos guardadas por quem queria ser como Messi aos 11 anos de idade e agora recebe assistências dele. Uma das grandes diferenças desta seleção recém-coroada para as outras em que Messi jogou em quatro Copas é que esta é um time de devotos. São jogadores que, mais até do que ganhar o mundo, queriam dar o mundo a ele. Uma equipe que não olha para Messi com um pedido de salvação, mas pergunta do que ele precisa para liderá-la a uma noite de sonho que durará para sempre. Tostão conta que, quando quer se sentir importante, diz que jogou com Pelé. Os Fernández, os Alvarez e os Mac Allister poderão dizer que jogaram com Messi no dia em que a Argentina tocou o céu. Se Messi fosse como Maradona, este dia não chegaria.

Só um espírito desta natureza é capaz de conduzir uma equipe por seis finais seguidas, a partir do "estamos mortos" da estreia, com toda a dramaticidade que os argentinos escolheriam vivenciar se lhes fosse oferecida a opção, porque assim são os roteiros em que mitos são construídos sem pressa, com dúvida e convicção, com desespero e fé. A messificação de Lionel se deu no ambiente da seleção argentina e é tão importante quanto os gols que Messi marcou na fase de grupos, nas oitavas de final, nas quartas, na semi e na decisão mais inexplicável da história dos Mundiais. É uma dessas fábulas que o futebol nos conta já antecipando como será o desfecho, porque o jogo reserva um prêmio a alguns raros escolhidos, um prêmio que será entregue aconteça o que acontecer. Messi é um deles, finalmente, agora, livre das etiquetas indesejáveis, das exigências inviáveis, das obrigações impostas por aqueles que, desgraçadamente, quiseram determinar a temperatura de seu peito. O futebol é tão maravilhoso que até mesmo estes enfermos não precisam mais fazer a escolha por Maradona ou Messi. Porque, para quem viu, se trata de Maradona e Messi, graças a Deus.

Messi e a taça de campeão do mundo
Messi e a taça de campeão do mundo FIFA


 

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Messi, Mbappé e outras 17 observações de Argentina (4) 3 x 3 (2) França na final da Copa do Mundo do Qatar

André Kfouri
André Kfouri

1 - Deschamps falou sobre a possibilidade de surpresas nas escalações da decisão da Copa do Mundo, mas sua França veio como se esperava. A Argentina de Scaloni derrubou praticamente todas as previsões de uma linha de 3/5 zagueiros para conter Mbappé, escolhendo um 4-3-3 que refletia o sistema francês e mandava um recado: virem-se para lidar com Messi.

2 - Técnicos costumam desenhar um dispositivo para defender contra Mbappé que consiste numa dobra de marcação pelo lado esquerdo, onde ele faz estragos. O dilema para marcar Messi é, em tese, insolúvel: destacar um homem para vigiá-lo individualmente significa 'perder' um jogador; defender por setor é inviável, pois Messi joga onde quer.

3 - Começo ruim dos campeões, tensos e erráticos na saída de bola. Messi recebeu duas vezes com tempo e espaço na intermediária francesa, sem que a Argentina conseguisse criar o perigo que as oportunidades supunham. Nota mental: a França costuma ser um time dissimulado, que não se importa que o adversário se sinta confiante e confortável.

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4 - Mas era algo mais grave. Em outra posse argentina mal defendida, Dembelé se viu diante de Di María na vizinhança da área e foi facilmente batido no um contra um. A arbitragem viu contato faltoso, por trás, na área. Pênalti que significou a chance de um crucial primeiro gol em decisões como essa, em que erros não costumam ser perdoados.

5 - Messi. Canto esquerdo baixo. 1 x 0.

6 - Na altura dos 35 minutos, já era possível afirmar que os campeões mundiais estavam na roda. Ineficientes com bola, confusos sem ela. Num contra-ataque que passou por Messi, Álvarez e Mac Allister, Di Maria surgiu na frente de Lloris para finalizar cruzado. 2 x 0, brutal.

7 - A imagem de Di María chorando após o gol. Histórica.

8 - Deschamps em estado de emergência. Muani e Thuram em campo por Dembélé e Giroud, aos 41 minutos, deslocando Mbappé para a função de centroavante. Finalizações francesas ao gol no primeiro tempo: Zero.

9 - No aspecto coletivo, tamanho desequilíbrio não era próprio de uma final de Copa do Mundo nos tempos atuais. Quando as equipes foram para o vestiário para tratar do que acontecia em campo, a única razão que poderia estimular os franceses era o fato de a Argentina ter desperdiçado uma vantagem de 2 x 0 contra a Holanda.

10 - A França que reapareceu no gramado marcava um pouco melhor, mas, por óbvio, enfrentava uma equipe que jogava com a urgência e a pressa de um mestre relojoeiro. Aos argentinos, um povo sanguíneo, a tarefa de gerenciar o jogo até a glória definitiva era certamente desafiadora, mas o encontro seguia sem alterações em sua dinâmica, o que gerava a sensação de que o terceiro gol era mais provável do que uma diminuição da vantagem.

11 - Deschamps mandou Coman e Camavinga para forçar a Argentina para trás e tentar um assalto à área de Martínez no trecho final. O risco era alto, mas não havia opção. A decisão da Copa do Mundo de 2022, um encontro contado por apenas um time até os últimos minutos, estava a um contra-ataque bem executado de se converter num placar de sonho para a Argentina.

12 - Não tão rápido, disseram os deuses do futebol. Pênalti de Otamendi em Muani. Martínez chegou a tocar na bola na cobrança de Mbappé, mas o 1 x 2 era a promessa de competição que o Estádio Lusail ainda não tinha visto. No banco desde os 19 minutos do segundo tempo, Di María contemplava uma partida completamente diferente da que tinha disputado.

13 - E num desarme de Coman sobre Messi, aconteceu. Tabela de Mbappé e Thuram, voleio do jovem fenômeno artilheiro da Copa, 2 x 2. Minuto 36. O futebol é um jogo que tem os próprios desejos e, por vezes, escolhe os próprios caminhos. 

14 - A prorrogação é uma partida distinta, que multiplica o peso de cada decisão e a repercussão das erradas. Pensar em pênaltis assusta, vencer com bola rolando é mais saboroso, o risco de perder está sempre presente. Argentina superior na primeira parte, com um par de chances aos pés de Lautaro Martínez, muito bem defendidas. 

15 - E o que mais poderia acontecer numa noite como essa, para marcar o fim de uma história escrita por algum sádico? Um gol de Messi, um ponto de exclamação definitivo, a extinção de todas as perguntas sobre sua trajetória genial? Sim. Um gol de Messi, de pé direito, sem dar a ninguém a satisfação - e o desespero - de ver a bola tocar a rede? Sim. Sim! 

16 - Outro gol de Mbappé, em mais um pênalti, para empatar novamente e enfatizar que ele é o futuro? Sim! Quatro gols em duas finais de Copas, 23 anos.

17 - Os acréscimos ainda trouxeram a grande defesa deste Mundial, com a qual Martínez evitou o que seria - seria? - o gol do título francês com Muani. E o apito derradeiro marcou o encontro de uma decisão que nunca mais se repetirá com a insanidade dos pênaltis. Com as emoções completamente drenadas por um jogo cuja descrição nunca estará à altura da realidade, a sensação é de dormência. Imagine o que é ter de bater esses pênaltis.

18 - Martínez defendeu a cobrança de Coman. Tchouaméni mandou a dele para fora. A terceira Copa do Mundo da Argentina, a Copa do Mundo de Lionel Messi, foi conquistada por quatro penais perfeitos. 

e 19 - E sobre Messi: sem mais perguntas, meritíssimo.

Jogadores da Argentina comemoram um dos gols na final da Copa do Mundo contra a França
Jogadores da Argentina comemoram um dos gols na final da Copa do Mundo contra a França Getty Images


 

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Apenas queremos ganhar

André Kfouri
André Kfouri

A mais triste ironia a respeito da eliminação da seleção brasileira da Copa do Mundo no Qatar é o gol de Petkovic, que conduziu aos fatídicos pênaltis. Não apenas por ter sido um gol que os times dirigidos por Tite não costumam sofrer, mas por ter gerado uma crítica que, em si, encapsula a maneira como se entende o futebol no Brasil, em especial nas grandes frustrações em Copas do Mundo. A seleção vencia com um colossal gol de Neymar (e de Rodrygo, e de Paquetá), um lance tão maravilhoso que, além de causar a impressão de que o encontro terminava ali, poderia ter sido um desses instantes transformadores para o autor e seu time. Restavam poucos minutos da prorrogação de uma partida em que uma das equipes não tinha finalizado uma vez sequer no gol adversário, quando, ao final de um contra-ataque, um chute desviado encontrou o caminho do canto direito de Alisson. Terminada a decisão por pênaltis, a crueldade do resultado lido como explicação para tudo ainda ofereceu uma pergunta, dessas que nunca são feitas enquanto as coisas estão acontecendo: por que Fabinho não estava em campo?

A questão específica, sobre um determinado jogador, importa pouco. O ponto é o conteúdo crítico nela embutido, como forma de apontar um erro estratégico de um técnico que sempre foi acusado de ser exageradamente defensivo, de jogar para vencer pelo mínimo, de sempre estar mais atento ao rival. E Tite estava ali, a minutos de celebrar a classificação para as semifinais, dirigindo uma equipe formatada e alterada para ganhar por mais. Uma equipe que jogou para ganhar por mais, e talvez - talvez - por isso tenha sofrido o empate que evidentemente a atingiu do ponto de vista mental, crucial na hora dos pênaltis. Se uma falta é cometida para impedir o contragolpe e o Brasil passa, não se lembraria jamais de Fabinho. Se, mesmo assim, a jogada chega a seu destino e a bola não toca em Marquinhos, não se lembraria jamais de Fabinho. Se, pelas circunstâncias imprevisíveis que ajudam a explicar o mistério de um jogo indomável, o Brasil vence nos pênaltis, não se lembraria jamais de Fabinho. Mas o resultado se explica pela ausência dele.

CROÁCIA 1 (4) x (2) 1 BRASIL: ASSISTA PELA ESPN NO STAR+ AO COMPACTO DO JOGO COM NARRAÇÃO DE NIVALDO PRIETO E COMENTÁRIOS DE LEONARDO BERTOZZI

Pois o resultado é a origem das perguntas, sejam as que ficam guardadas para ser usadas quando a derrota ainda está quente, sejam as que não fazem sentido algum e são feitas assim mesmo, porque, afinal, todos entendemos suficientemente do assunto para que os mais lisérgicos devaneios sejam aceitos como legítimos durante a autópsia. Depois de assistirmos à batalha em silêncio, escondidos no alto da montanha, é hora de descer para esfaquear os feridos. Sempre foi assim e, pelo que se nota, sempre será. O ambiente do futebol brasileiro não foi capaz de evoluir após o epitáfio do Mineirão, mas agora se fala em "falência" e "refundação" por causa de um chute desviado. Claro, não foi por isso que o Brasil perdeu; foi porque Neymar não bateu o primeiro pênalti, ou porque Marquinhos perdeu o último; ou porque Casemiro não fez a falta; ou porque o time não tinha liderança; ou porque jogador de cabelo descolorido não merece ganhar a Copa; ou por causa das coreografias para celebrar gols; ou porque Fabinho não estava em campo.

Esse trato ao jogo é perceptível até quando se menciona o desempenho do time. A aparente necessidade de encaminhar tudo ao lixo leva a análises embasadas que concluem que a seleção jogou terrivelmente mal no Qatar, e menos do que a Croácia no 1 x 1 derradeiro. É coisa para lunáticos, mesmo. Então se apela ao baixo número de gols, e se esquece de que Espanha e Portugal, goleadores num momento, foram vítimas de Marrocos. Aí se lembra da Croácia, semifinalista, e o cérebro começa a girar. O recurso mais interessante é se aventurar a falar sobre o estilo, lamentar a cópia do que se faz na Europa e a distância de nossas raízes. Como se essa noção pudesse explicar a queda dos espanhóis, fidelíssimos a um jeito de jogar que lhes é próprio. Ou a saída da Holanda, cujo modelo tradicional, também próprio, foi subvertido. E então, qual é o caminho? Não sabemos (porque nos orgulhamos de nossa própria ignorância), não queremos saber (porque, além de nos orgulharmos de nossa própria ignorância, rejeitamos qualquer debate sobre o jogo que toque naquilo que desconhecemos), queremos ganhar. Apenas ganhar. E como não ganhamos, Tite é fraco. Luis Enrique é fraco. Louis van Gaal é fraco. Scaloni será fraco se a Argentina for eliminada amanhã. Se não for, será um gênio da simplicidade, como Walid Regragui.

Tite é um treinador que acerta e erra como qualquer outro. Provavelmente acertou na intenção de acomodar Vinicius Júnior num time que se formou sem ele, e pode ter errado na forma. Provavelmente errou ao se manter distante do momento das cobranças de pênaltis, embora, desde a época em que era obrigatório entregar ao árbitro uma lista com os nomes dos batedores, as sensações dos jogadores fossem a lei. Poderia ter escalado melhor, substituído melhor, liderado melhor, ponderações que caberão também ao trabalho do técnico campeão do mundo, seja quem for. Mas a vitória cala. Seu desempenho em dois Mundiais não foi o que ele próprio esperava e gostaria, e como responsável pelas decisões tomadas em todos os momentos, é inevitável que Tite seja alvejado pela pós-verdade, especialidade de um contingente cada vez maior da crítica e da opinião pública, que se misturam sem se importar com o dano que causam. 

É uma pena que os comentários de Luis Castro, técnico do Botafogo, tanto sobre o jogo contra a Croácia quanto a respeito dos pênaltis não tenham a mesma ressonância de certas pontificações que proliferam desde sexta-feira. Mas não é uma surpresa. Afinal, o que Castro ganhou?

Tite durante jogo do Brasil contra a Croácia nas quartas de final da Copa do Mundo do Qatar
Tite durante jogo do Brasil contra a Croácia nas quartas de final da Copa do Mundo do Qatar Laurence Griffiths/Getty Images



 

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17 observações de Brasil 1 (2) x (4) 1 Croácia na Copa do Mundo do Qatar

André Kfouri
André Kfouri

1 - Seleção brasileira sem mudanças. Croácia com Pasalic à direita no meio de campo, para ajudar a defender o lado esquerdo do Brasil, e Kramaric centralizado no ataque. A Croácia tinha muito mais a se preocupar, inclusive em relação a seu próprio jogo, um nível abaixo do que seria necessário para superar este encontro.

2 - Alguma preocupação inicial com Richarlison, que levou a mão à coxa e fez Tite mandar Pedro e Fred ao aquecimento. Nada além disso.

CROÁCIA 1 (4) x (2) 1 BRASIL: ASSISTA PELA ESPN NO STAR+ AO COMPACTO DO JOGO COM NARRAÇÃO DE NIVALDO PRIETO E COMENTÁRIOS DE LEONARDO BERTOZZI

3 - Não foi bom o início de jogo da seleção, que custou 20 minutos a mostrar a primeira interação entre Vinicius Júnior e Neymar, numa tabela dentro da área. Coletivamente, a Croácia teve mais clareza e volume, embora sem criar perigo.

4 - Mas o que os croatas fizeram melhor foi marcar, fechando espaços e obrigando o Brasil a trocar muitos passes que não lhe interessavam. Quase nenhuma aceleração permitida e vigilância próxima dos jogadores que desequilibram individualmente, num pacote que deixou a seleção desconfortável. Destaque para o lateral Juranovic, cuja tarefa era conter Vinicius. Não só conseguiu, como ainda fez seu papel ofensivo.

5 - O problema era maior do que um bloqueio diante da área, com muitos jogadores. Isto diversos times conseguem fazer. O que a Croácia tem além desse expediente são jogadores de meio de campo capazes de manter a bola e, se não controlar, ao menos influenciar o ritmo do jogo. De modo que o incômodo causado ao Brasil foi mais danoso: dificuldade para criar e menos posse para sufocar. No intervalo, de acordo com os números da Fifa, a bola ficou dividida em 46% a 42% a favor dos croatas (12% 'em disputa', uma novidade estatística deste Mundial).

6 - Diferentemente do que parece - porque o que se nota com mais facilidade é um Brasil que não flui -, o defeito da atuação da seleção no primeiro tempo foi defensivo. Era necessário desarmar mais e melhor.

7 - Pequena blitz do Brasil para iniciar a segunda parte. Dois momentos de real perigo dentro da área, um deles numa jogada em que havia impedimento, mas teve a segunda combinação Vinicius-Neymar no jogo.

8 - Numa bola que se ofereceu para Richarlison na intermediária, Neymar foi acionado e fez Livakovic trabalhar. O Brasil dava sinais de ímpeto ofensivo. Tite trocou Raphinha por Antony, na esperança de mais produção pela direita, onde sempre há mais espaço por causa da tendência do time de atacar pelo lado oposto.

9 - Outra sobra, agora na cara do gol, presenteou o 1 x 0 a Paquetá. Grande defesa de Livakovic.

10 - Luka Modric, 37. Que jogador.

11 - No trecho final, o jogo era imposto à Croácia por um Brasil cada vez mais perigoso, à medida que o tempo cobrava seu preço ao time europeu, já desgastado por uma prorrogação. Livakovic via sua área ocupada e se virava como podia, impedindo chances em sequência. O domínio era evidente.

12 - Prorrogação. A quinta para a Croácia em duas Copas. Vantagem técnica e física para o Brasil, mas um território novo. Para os croatas, mais um dia. A pergunta era se o 0 x 0 suportaria meia hora de ataque x defesa.

13 - No último minuto do primeiro tempo, Neymar construiu uma fantasia de um gol. Um momento para erguer a seleção brasileira e diferenciá-lo ainda mais como jogador de futebol. Neymar, Rodrygo, Neymar, Paquetá, Neymar, gol. QUE. GOL.

14 - A questão não é apenas o atrevimento para fazer um gol assim, num momento como este, neste cenário. É o conjunto de habilidades em sincronia. Neymar ainda fugiu de uma falta e driblou o goleiro. 

15 - Mas você leu aqui sobre o espírito de luta que corre no sangue dos povos balcânicos. O jogo só termina após os times deixarem o estádio. Petkovic foi o autor da única finalização certa contra o gol brasileiro num contra-ataque que não deveria ter acontecido. Por crueldade, um desvio em Marquinhos tirou Alisson do lance. 1 x 1.

16 - No último apito, pênaltis. O que ninguém queria, exceto os croatas.

e 17 - Nos pênaltis, acabou. Livakovic, em atuação histórica, defendeu a cobrança de Rodrygo. Com a força mental de quem sabe que não vai falhar, a Croácia foi perfeita. E com Marquinhos, na trave, a seleção brasileira foi eliminada de mais uma Copa do Mundo.

Seleção brasileira posa para foto antes do jogo contra a Croácia, pela Copa do Mundo do Qatar
Seleção brasileira posa para foto antes do jogo contra a Croácia, pela Copa do Mundo do Qatar Getty Images


 

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A eliminação pelo alto, uma tendência incômoda

André Kfouri
André Kfouri

A seleção brasileira volta a encontrar um adversário europeu num jogo eliminatório de Copa do Mundo. Desde o título em 2002, na Coreia/Japão, o desfecho foi o mesmo em todas as ocasiões: França em 2006, Holanda em 2010, Alemanha em 2014, Bélgica em 2018. Há algo mais em comum a essas eliminações, a conferir na lista abaixo:

2006 - Henry

2010 - Felipe Melo (contra), Sneijder

2014 - Muller

2018 - Fernandinho (contra)

Todos esses gols foram produtos de jogadas de bola parada. O de Henry saiu de uma cobrança de falta lateral; os demais, após escanteios. E se retornarmos a 1998 e à final no Stade de France, lembraremos dos dois gols de Zidane também em tiros de canto, um de cada lado. Para resumir: gols europeus pelo alto eliminaram o Brasil de cinco dos últimos seis Mundiais.

A evidência está aí. É uma tendência, uma propensão. Mesmo considerando que essas equipes - estamos falando de cinco seleções - eram treinadas por técnicos diferentes, com ideias distintas. Tite emendou duas Copas com uma trajetória indiscutivelmente sólida do ponto de vista defensivo. Desde setembro de 2016, a seleção brasileira tem média de 0,36 gol por jogo, com 13 gols sofridos em jogadas aéreas (9 em lances de bola parada). Um deles foi marcado por Zuber, para a Suíça, na estreia da Copa da Rússia, completando uma cobrança de escanteio.

No Qatar, até agora, foram dois gols: nenhum de bola parada, mas um em cruzamento para a área, finalizado de cabeça, contra Camarões.

A Croácia merece o mais absoluto respeito e todos os cuidados defensivos que um jogo de eliminação exige. 

Não só por ser a seleção vice-campeã do mundo, e independentemente de estar passando por uma mudança de gerações que afeta os jogadores mais influentes do time. Os croatas têm o espírito competidor dos povos balcânicos, que lutam ao máximo nível sem se importar com as circunstâncias, pelo tempo que for necessário. Basta lembrar como alcançaram a decisão em Moscou, após sucessivas prorrogações e disputas de pênaltis.

Convém, também, uma dose extra de concentração em escanteios e faltas próximas à área.

A seleção brasileira postada para a foto oficial antes do jogo contra a Suíça, na Copa do Mundo do Qatar
A seleção brasileira postada para a foto oficial antes do jogo contra a Suíça, na Copa do Mundo do Qatar Julian Finney/Getty Images


 

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Baila Brasil, a música não vai parar

André Kfouri
André Kfouri

Como acontece em todas as festas, há sempre alguém chorando em meio à alegria. Frequentemente por um motivo tolo, fútil, ou porque exagerou na dose. É aquela pessoa que, no dia seguinte, se converte no assunto de todas as conversas, mas pelos piores motivos. Na celebração de gols do Brasil no estádio 974, a figura obrigatória a marcar a nota triste de uma noite repleta de felicidade foi Roy Keane, ex-jogador, hoje comentarista de televisão na Inglaterra. A seleção brasileira comemorou dançando cada um dos quatro gols sobre a Coreia do Sul, mas Keane preferiu a carta do "desrespeito ao adversário"

Keane, infelizmente, não é uma voz solitária. Um setor significativo do futebol enxerga que dançar após um gol é uma atitude inapropriada. E como geralmente aqueles que surgem sorrindo e se divertindo em coreografias são africanos ou latinos, o passo na direção do preconceito não tarda. O que Keane talvez não saiba é que, desta vez, as coisas estão conectadas. E o que Keane talvez não entenda é que, a cada crítica desinformada, os jogadores que ele acusa de faltar com o respeito ao adversário vão se esmerar ainda mais nesta maneira de se expressar. De exibir o futebol que carregam dentro de si e, no processo, declarar que a música não vai parar.


         
     

Porque foi isso que se tentou fazer há três meses, quando um sujeito que participava de um programa de baixo nível na televisão espanhola se referiu a Vinicius Júnior da seguinte forma: "Você tem que respeitar o adversário. Quando você faz um gol, se quer dançar, que vá ao sambódromo no Brasil. Aqui o que você tem que fazer é respeitar os companheiros de profissão, e deixar de fazer macaquices". 

O ataque com evidente munição racista gerou mais do que as costumeiras reprovações momentâneas. Na Espanha, na França e na Inglaterra, jogadores brasileiros se manifestaram em defesa de Vinicius com mensagens em redes sociais, num movimento que ficou conhecido como "Baila Vini". Alguns destes jogadores, como Gabriel Jesus, Richarlison e Neymar, se reuniram na seleção brasileira para disputar a Copa do Mundo, e as coreografias combinadas para celebrar gols - são mais de dez, dizem - se transformaram, também, em demonstrações de união e resistência.

Qualquer pessoa que já fez parte de um grupo com objetivo comum é capaz de entender o que algo dessa natureza significa. Um ambiente de harmonia e cumplicidade não garante o sucesso, mas certamente elimina elementos que podem inviabilizá-lo. Como um técnico deveria se comportar diante de uma dinâmica que colabora diretamente para a coesão do grupo que dirige? Ora, alimentando-a. 

Tite havia prometido participar, e, após Richarlison assinar o belíssimo terceiro gol contra os coreanos, correu para se colocar ao lado do técnico à frente do banco. Tratava-se, literalmente, de um convite para dançar. E Tite dançou com a seleção, para horror de Roy Keane e de quem não se interessa por compreender não só a essência do futebol jogado por brasileiros, mas a essência do jogador brasileiro de futebol.

Não se sabe até onde o Brasil irá neste Mundial, mas os futebolistas que dançam para comemorar gols seguirão marcando e dançando. Eles estão dizendo que não vão parar. A música não vai parar, embora sempre haja quem prefira chorar.

Tite e Richarlison fazem a dança do pombo em Brasil x Coreia do Sul, pela Copa do Mundo do Qatar
Tite e Richarlison fazem a dança do pombo em Brasil x Coreia do Sul, pela Copa do Mundo do Qatar Getty Images

 

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Brasil 4 x 1 Coreia do Sul

André Kfouri
André Kfouri

1 - Neymar de volta, e titular. Como confirmação do prazo inicial para o retorno ao time, tudo ok. Questionar se o Brasil realmente precisa de seu melhor jogador para vencer a Coreia é infantilizar a Copa do Mundo. Como medida de emergência, em resposta ao clima criado desde que os reservas da seleção perderam para Camarões num contra-ataque nos acréscimos, aí a conversa muda. Que seja o primeiro caso, e que termine bem.

2 - E bastou uma chegada ao fundo, em movimento de Raphinha, para as coisas se assentarem. O passe para trás chegou a Vinicius, que observava o lance sem ser notado pela zaga coreana. O espaço ele já tinha, o tempo lhe foi presenteado. 1 x 0, 7 minutos.

3 - A primeira bola dividida de Neymar mostrou uma preocupação óbvia, que vai acompanhá-lo daqui em diante. Antes da chegada das travas de Cho Gue-sung, o brasileiro pulou para evitar um choque no tornozelo direito. Mais do que jogar, Neymar precisa iludir. É um expediente que se confronta com a natureza de seu jogo, mas uma necessidade.

4 - Grande ação de Richarlison na área da Coreia, intrometendo-se para atormentar e tentar o desarme. Derrubado por Jung Too-Young, ele deu ao Brasil a chance de abrir dois gols de vantagem antes que o público se sentasse no estádio 974.

5 - Neymar: 2 x 0, 13 minutos.

6 - Não era imaginável um começo mais tranquilizador, também porque a Coreia, desorientada desde o início, ainda precisaria de um tempo razoável para começar a competir. Caberia, já, a questão sobre uma eventual substituição de Neymar.

7 - Sem querer conter a euforia de ninguém, o grande lance do Brasil no jogo foi a combinação para o terceiro gol, de Richarlison. Começou com uma alegoria dele, controlando a bola de cabeça. A sequência foi rápida e brutal, devolvendo a bola a quem iniciou o lance. Richarlison, Marquinhos, Thiago Silva e de novo Richarlison, entrando na área como terceiro homem. Goleada estabelecida antes dos 30 minutos.

8 - Detalhe para os dois zagueiros envolvidos na arquitetura do gol.

9 - Na "Copa dos pontas", a seleção mostrou os dela. Raphinha no primeiro gol, Vinicius no quarto. A bola erguida na área talvez tivesse outro endereço, mas se ofereceu para Paquetá. De pé direito, ele mandou para a rede e foi comemorar. O jogo não estava na metade e já não havia dúvida sobre o vencedor. Deixar Neymar em campo - e Danilo também - era necessário?

10 - O estádio 974 será desmontado nesta terça-feira, a demolição começou um dia antes. Ao descanso, se estivesse 6 x 0, não seria um exagero. 

11 - Brasil sem alterações para o segundo tempo. Jogo sem alterações por um longo tempo, exceto pelo desejo visível - e compreensível - de Raphinha de fazer seu gol.

12 - A tranquilidade deu a Tite a dica para tratar de renovar o time, para poupar quem precisa e manter o Brasil em bom nível no restante do jogo. A Croácia, adversária de sexta-feira, teve de jogar uma prorrogação e ainda passar pelos pênaltis. Vencer a Coreia não era mais o objetivo, mas sim chegar bem às quartas de final. Dani Alves (Militão), Bremer (Danilo) e Martinelli (Vinicius) em campo.

13 - A Coreia fez um gol, e foi bonito. Chutaço de Paik Seungho, de fora da área. 

14 - Até Weverton entrou, para ter uma camisa de Copa do Mundo em sua coleção. E Neymar (substituído por Rodrygo), enfim, foi descansar no minuto 81. Duas mexidas com cara de fim de jogo, obrigado e até a próxima. A derrota dos reservas para Camarões foi... apenas isso. Esta vitória deve ser encarada com sobriedade.

e 15 - Croácia, sexta-feira, 12h.

Vinicius Jr., Raphinha, Lucas Paquetá e Neymar (da esq. para a dir.) celebram durante Brasil x Coreia do Sul, na Copa do Mundo do Qatar
Vinicius Jr., Raphinha, Lucas Paquetá e Neymar (da esq. para a dir.) celebram durante Brasil x Coreia do Sul, na Copa do Mundo do Qatar Getty Images


 

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Brasil 4 x 1 Coreia do Sul

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França, Inglaterra e o primeiro gol

André Kfouri
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Enquanto Kylian Mbappé segue aparecendo em telas com estatísticas de Copa do Mundo em que consta o nome de Pelé - toda força ao Rei, hoje e sempre, mas especialmente hoje -, a França chega às quartas de final com autoridade de campeã. Devastada no período pré-Copa por lesões em jogadores indiscutíveis, o time dirigido por Didier Deschamps, incrivelmente, tem momentos até melhores do que em 2018. Isto não significa dizer que figuras como Pogba, Kanté e Benzema não sejam ausências sentidas. Ocorre que técnicos só podem trabalhar com o que têm, e Deschamps está aproveitando ao máximo a qualidade de Griezmann, Giroud e, claro, a besta colossal que neste domingo assumiu a artilharia da Copa do Catar (5 gols) e já tem 9 gols em duas edições.

Contra a Polônia, os franceses voltaram a ludibriar um adversário fazendo-o imaginar que o jogo estava equilibrado, permitindo que se sentisse otimista em relação às próprias possibilidades. Hugo Lloris até trabalhou, mas Mbappé logo encontrou Olivier Giroud dentro da área, e, a partir daquele instante, os poloneses foram obrigados a sentir o que acontece quando se oferece gramado para um búfalo correr. Mbappé é incontrolável, e não está sozinho. Giroud tem mostrado altíssimo nível e Griezmann é um formidável trabalhador para o sucesso coletivo.

FRANÇA 3 x 1 POLÔNIA: ASSISTA PELA ESPN NO STAR+ AO COMPACTO DO JOGO COM NARRAÇÃO DE PAULO ANDRADE E COMENTÁRIOS DE STÉPHANE DARMANI

A imagem de Mbappé acelerando pelo lado do campo é algo para assustar um defensor por noites a fio, mas os pontas ingleses também já produziram conteúdo semelhante nesta Copa. A classificação da Inglaterra contra Senegal se deu via importantes contribuições de Phil Foden e Bukayo Saka, numa exibição (quase) completa da equipe de Gareth Southgate. O quase fica por conta do período de cerca de 38 minutos sem gols, em que Senegal chegou a ameaçar. Quando Jordan Henderson fez 1 x 0, a Inglaterra se viu no plano que mais a favorece: com espaço para tocar e esbanjar a qualidade de seus atacantes. Kane, finalmente, e Saka, completaram belos movimentos para gols. E Jude Bellingham apresentou mais argumentos para ser coroado o melhor jovem deste Mundial.

Desde a derrota na final da Eurocopa em casa para a Itália, Southgate tem sido pressionado pela exigente crítica de seu país por causa de escalações que negam protagonismo ao potencial ofensivo do elenco. A juventude e o talento de Bellingham (19), Saka (21) e Foden (22) ilustram o que a seleção inglesa pode ser quando acredita em seu jogo.

França e Inglaterra é um encontro que pode ser decidido por um gol. Não que esta seja a diferença final. É que ambas se sentem muito bem em vantagem, quando o oponente precisa se mexer - ainda mais num jogo eliminatório - e se abrir a riscos. Quem conseguir movimentar o placar primeiro, o que pode acontecer até pelo balanço da sorte e do azar, estará muito perto das semifinais.

Mbappé anotou dois gols e deu uma assistência na vitória da França sobre a Polônia nas oitavas de final da Copa do Mundo do Qatar
Mbappé anotou dois gols e deu uma assistência na vitória da França sobre a Polônia nas oitavas de final da Copa do Mundo do Qatar Francois Nel/Getty Images

 

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França, Inglaterra e o primeiro gol

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Argentina x Holanda, de novo

André Kfouri
André Kfouri

A Holanda fez três gols nos Estados Unidos. Dois com passes da linha de fundo para a marca do pênalti, em jogadas do lado direito concluídas pelo lado oposto chegando por dentro; e um com passe de um "lateral" para o outro. Clássica Holanda, clássico van Gaal, classificados para as quartas de final

Louis van Gaal vive um conflito duradouro com a visão de que a seleção holandesa deve jogar em obediência a parâmetros indiscutíveis. Foi assim em 2014, quando conduziu o país ao terceiro lugar, e, aparentemente, é assim no Catar, a julgar pelos debates durante entrevistas nas quais ele tem defendido seu sistema e discordado de perguntas que expressam críticas ao desempenho do time.


         
     

Como toda figura pública de personalidade forte e convicta das próprias ideias, van Gaal gera simpatia e antipatia gratuitas em medidas semelhantes, o que resulta, frequentemente, em opiniões "contaminadas" por essas sensações. A importância de sua trajetória como homem do futebol, por óbvio, não está em discussão. E como treinador, seu amor pelo jogo - 71 anos, enfrentando um agressivo câncer de próstata, trabalhando, vencendo e sorrindo - é um exemplo. Ele continua sendo um estrategista de primeiríssima linha, capaz de convencer futebolistas de todas as idades a seguí-lo com fé inabalável, porque veem acontecer em campo o que foi desenhado na véspera. Os três gols da vitória sobre os americanos compõem a evidência mais recente.

Na sexta-feira, Holanda e Argentina se reencontram na Copa do Mundo, evocando a final de 1978, o maravilhoso gol de Bergkamp em Marselha, o gol que Mascherano salvou no último minuto em Itaquera. Contra a Austrália, Messi fez mais do que um gol para classificar os argentinos. Sua atuação no segundo tempo foi para enquadrar, embora o jogo tenha se tornado excessivamente tenso no final, após o gol australiano num chute que desviou.

Observe os dois últimos gols de Messi: contra o México e neste sábado. Duas finalizações em que as possibilidades da bola passar eram pequenas, e ambas, especialmente a de hoje, foram um passe para a rede. Uma das explicações mais notáveis para a grandeza de Messi é a frequência com a qual ele faz coisas difíceis parecerem rotineiras. Sem Messi, a Argentina não estaria mais no Catar. Com ele, há razões para seguir andando sobre uma finíssima linha entre a euforia e a desesperança, e sonhando.

Argentina x Holanda é jogo dos grandes. Uma pena que seja o fim da Copa para van Gaal ou Messi.

Lionel Messi aplaude torcida da Argentina após classificação às quartas de final da Copa do Mundo
Lionel Messi aplaude torcida da Argentina após classificação às quartas de final da Copa do Mundo Getty Images

 

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Argentina x Holanda, de novo

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11 observações de Brasil 0 x 1 Camarões na Copa do Mundo do Qatar

André Kfouri
André Kfouri

1 - Um time inteiramente composto por jogadores suplentes, fato inédito na história das participações brasileiras em Copas do Mundo. E a terceira formação seguida que Tite manda a campo sem teste em competição. Na Copa dos ajustes e do manejo das pernas, a seleção brasileira mostrou sua fartura.

2 - Na montagem tradicional em 4-2-3-1, os jogadores escalados à frente de Fred e Fabinho foram Antony, Rodrygo, Martinelli e Jesus. Leveza e talento que não se encontram em outra equipe. Detalhe: são os reservas.

CAMARÕES 1 x 0 BRASIL: ASSISTA PELA ESPN NO STAR+ AO COMPACTO DO JOGO COM NARRAÇÃO DE NIVALDO PRIETO E COMENTÁRIOS DE PAULO CALÇADE

3 - Em termos de dinâmica, nada diferente do que se imaginava: Brasil com a bola e a iniciativa; Camarões com o espaço e a tenacidade. No bonito passe pelo alto de Fred, Martinelli levantou o público com um cabeceio perigoso, que Epassy defendeu.

4 - O Brasil jogou de azul, mas Camarões prefere o amarelo. Antony e Rodrygo - duas vezes - sofreram duras faltas por trás que obrigaram o árbitro a mostrar cartões para os dois laterais, Fai e Tolo. Com defensores já de aviso prévio após 35 minutos, controlar os atacantes brasileiros pelos lados do campo ficou ainda mais complicado.

5 - Sem os automatismos das equipes que se conhecem, a seleção atacou mais com suas virtudes individuais. Rodrygo e Martinelli, em especial, exigiram atenção da defesa camaronesa, combinando boa leitura de jogo e muita aceleração. Mas foi do outro lado do campo que a ocasião de maior perigo aconteceu: cruzamento da esquerda, dois defensores brasileiros por muito pouco não tocaram na bola que chegou a Mbeumo para um bom cabeceio no chão. Ederson espalmou uma rara finalização certa contra o gol do Brasil, a primeira nesta Copa.

6 - Má notícia no início do segundo tempo: Alex Telles se machucou num choque com Anguissa e não pôde seguir em campo. Telles é reserva de Alex Sandro, fora do jogo por lesão no quadril... Tite aproveitou para mexer em três posições, fazendo Marquinhos (Telles) e Everton Ribeiro (Rodrygo) estrearem no Mundial, e dando mais uma oportunidade a Bruno Guimarães (Fred). Um pouco mais tarde, Pedro também debutou, entrando no lugar de Gabriel Jesus.

7 - Camarões nunca contestou o domínio brasileiro, optando por tentar aproveitar um erro do time que tinha mais a bola e, por natureza, era mais ofensivo. O Brasil reunia vários jogadores para atacar e tramava perto da área, sempre deixando a impressão de que bastava um movimento preciso para finalmente chegar ao gol. O problema é que esse movimento não se completava. A presença de Pedro, um desses jogadores que "chamam" o gol, era um atrativo a mais quando o jogo chegou ao trecho final.

8 - Raphinha substituiu Antony e não custou a aparecer em boa jogada pela direita, pedalando e procurando Bruno Guimarães com um passe para trás. A rotação dos atacantes de lado é uma força desta seleção e um perigo permanente para os adversários.

9 - Camarões, por falta de alternativas, cansaço, ou ambos, se partiu em dois times nos últimos minutos. O Brasil ocupou os espaços para continuar atacando, por vezes chegando à área com opções a escolher, mas o gol que faria justiça à história do jogo teimava em não sair.

10 - E eis que num contra-ataque, nos acréscimos, um cruzamento da direita encontrou Aboubakar (expulso pelo segundo amarelo por tirar a camisa na comemoração) entre Bremer e Militão. Ederson não pôde fazer nada para defender o cabeceio, e o Brasil ficou a um gol da Suíça contra a Sérvia de perder o primeiro lugar do grupo. O encerramento da fase de grupos teve, de fato, muitos resultados surpreendentes. Este foi mais um, com a diferença por ter sido um acidente do futebol, como já se viu tantas vezes.

e 11 - Segunda-feira, Coreia do Sul, 16h. Com os titulares, claro.

Jogadores do Brasil conversam com Tite durante o jogo contra Camarões, na Copa do Mundo do Qatar
Jogadores do Brasil conversam com Tite durante o jogo contra Camarões, na Copa do Mundo do Qatar Robbie Jay BarrattGetty Images



 

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11 observações de Brasil 0 x 1 Camarões na Copa do Mundo do Qatar

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O Japão sorri em um dia de loucura na Copa

André Kfouri
André Kfouri

Há eventos que merecem ser analisados com algum distanciamento, para aumentar a chance de compreensão. Não existe nada como o calor do futebol e a imprevisibilidade de uma rodada dupla em que todos os times podem seguir ou voltar para casa, mas este 01 de dezembro de 2022 ficará na história das copas do mundo como um dia inconcebível, e quanto mais o tempo passar, menor será a possibilidade de explicá-lo.

No dia do sorteio das chaves da Copa do Mundo do Qatar, se alguém dissesse que o Japão venceria Alemanha e Espanha, seria percebido como um lunático. E se adicionasse que os japoneses seriam derrotados pelo outro adversário do grupo E, a Costa Rica, nunca mais seria levado a sério. Não apenas foi exatamente isso que aconteceu, como, por alguns poucos minutos de absoluta loucura, as duas seleções europeias, favoritas às oitavas de final, se viram eliminadas no terceiro jogo. Não é normal, nem mesmo para os padrões de humor e sarcasmo dos deuses que governam este jogo.

JAPÃO 2 x 1 ESPANHA: ASSISTA PELA ESPN NO STAR+ AO COMPACTO DO JOGO COM NARRAÇÃO DE CLEDI OLIVEIRA E COMENTÁRIOS DE MÁRIO MARRA

Para resumir a insanidade: a Espanha perdeu, mas eliminou o time cuja vitória só serviu para classificá-la.

O segundo tempo espanhol foi tenebroso. Os registros de posicionamento médio do time que, nas duas primeiras rodadas, caracterizou-se pela coragem e pela tomada de riscos, mostram uma equipe determinada a especular nas regiões intermediárias do campo, o que não fez nem enquanto goleava a Costa Rica ou após sofrer o empate dos alemães. Uma atuação difícil de entender, pelo comportamento oposto ao que é a identidade coletiva do time. Nos minutos finais, foi como se a Espanha se prestasse a defender o resultado de 1 x 2, tal a passividade com que tratou a iminência da derrota. O Japão foi capaz de ganhar com ínfimos 16% de posse, o menor índice de uma equipe vencedora na história da Copa do Mundo.


         
     

Como se sabe, os espanhóis se classificaram em segundo lugar, tomando uma rota que evita um encontro com a seleção brasileira nas semifinais. O caminho dos espanhóis agora tem Marrocos, talvez Portugal, com França ou Inglaterra mais adiante. Há quem veja melhores possibilidades contra essas equipes do que diante de Croácia e Brasil, ignorando as evidentes dificuldades do time de Luis Enrique ao enfrentar adversários que se fecham e correm. 

Quanto à Alemanha, a segunda eliminação seguida na fase de grupos mostra uma seleção sem rumo desde a glória no Maracanã, em 2014. É irônico que a seleção do país de onde vêm os técnicos que reformularam a maneira como times pressionam não seja uma intérprete competente desta ideia, e se veja num momento semelhante ao pós-Mundial de 2002, quando a derrota para o Brasil de Ronaldo e Rivaldo, na final, desencadeou uma série de reformas estruturais no futebol alemão.

O Japão não deve se desculpar por nada, nem mesmo pela dúvida sobre a jogada do gol de Tanaka, mais tarde esclarecida pela imagem que comprova que um mísero percentual da bola - que é redonda - estava sobre a linha de fundo no instante do toque para trás. As surpreendentes viradas sobre Alemanha e Espanha apresentaram uma seleção que se lança ao propósito quando parece destinada a se resignar pela inferioridade técnica, algo que o esporte em geral, e o futebol em particular, por vezes recompensa com o impensável.

Jogadores do Japão comemorando a classificação às oitavas da Copa do Mundo do Qatar após vitória sobre a Espanha
Jogadores do Japão comemorando a classificação às oitavas da Copa do Mundo do Qatar após vitória sobre a Espanha Patrick Smith - FIFA/FIFA via Getty Imag

 

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O Japão sorri em um dia de loucura na Copa

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Os argentinos já estavam no Qatar; a Argentina finalmente chegou

André Kfouri
André Kfouri

Os poloneses encaram a Copa do Mundo de uma forma bem particular. A primeira rodada da fase de grupos é o jogo da esperança; a segunda rodada, invariavelmente, é o jogo da sobrevivência; e a terceira, porque a esperança acabou e a sobrevivência não foi alcançada, é o jogo da dignidade. A Copa do Catar trouxe uma novidade, ou melhor, trouxe duas. A primeira e mais importante é que a Polônia sobreviveu e estará nas oitavas de final. A segunda é que o encontro com a Argentina não foi o jogo da dignidade, mas o jogo do aprendizado. Coube ao time de Szczesny e Lewandowski cursar uma clínica de futebol cuja teoria é dispensável diante de uma prática tão eloquente. Na rodada final da fase de grupos, a Argentina que se esperava finalmente chegou a Doha.

Já era hora. Na histórica derrota para os sauditas e na angustiante vitória sobre o México, a Argentina não foi capaz de se parecer com o time que quase quebrou o recorde de invencibilidade entre seleções. A camisa estava lá, as figuras também, e só. O jogo? O jogo tinha ficado esquecido em algum lugar da memória desses futebolistas que, obrigados a vencer a Polônia para não se preocuparem com a partida entre México e Arábia Saudita, dominaram 67% da posse, com 13 a 0 em finalizações certas. A partida terminou em 2 x 0 porque Szczesny teve uma das atuações de sua vida e Messi, embora bastante envolvido na elaboração, não exibiu o brilho costumeiro e desperdiçou um pênalti - muito, muito mal marcado - no primeiro tempo.

O segundo gol, assinado por um Julián Álvarez que não deve mais sair do time, ilustra os níveis de domínio, capacidade de circulação e finalização de movimentos. A Argentina fez a bola correr em todas as direções, com 37 passes conduzindo ao chute de dentro da área que entrou no canto esquerdo alto do goleiro polonês. Paciência para desorganizar a defesa, precisão para marcar os tempos, talento para acelerar e concluir. Os últimos passes lembraram uma jogada de handebol, com a bola indo para os lados e voltando, até Enzo Fernández encontrar o espaço para avançar e acionar Álvarez como se fosse um pivô. A argentina que abre o campo e se movimenta, que esconde a bola do adversário e é uma ameaça constante enfim se apresentou.

Pode parecer estranho celebrar um lugar nas oitavas de final, ou uma atuação específica que tenha deixado a impressão - precoce, talvez, dada a instabilidade que caracteriza a campanha argentina até agora no Mundial - de que os jogadores se reconciliaram com seu próprio futebol. Afinal, a seleção argentina veio ao Catar para fazer muito mais do que isso. Mas a atuação e a vitória desta quarta-feira já podem ser mais do que isso. Se a noite representou o retorno a um lugar em que estes jogadores se sentem em casa, é provável que tenham reencontrado a faísca de que necessitam para sonhar. Como a Polônia descobriu, não é agradável ter de enfrentar um time assim.

Messi comemora classificação da Argentina às oitavas de final da Copa do Mundo
Messi comemora classificação da Argentina às oitavas de final da Copa do Mundo Stefan Matzke - sampics/Corbis via Getty


 

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Os argentinos já estavam no Qatar; a Argentina finalmente chegou

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Num Brasil sem Neymar, Rodrygo tem que jogar

André Kfouri
André Kfouri

O mapa de passes da seleção brasileira no jogo contra a Suíça mostra uma atuação cautelosa, de um time permanentemente preocupado em não perder a bola em zonas sensíveis e, quando desarmado, mantendo jogadores suficientes para proteger a área de Alisson. O líder em passes foi Marquinhos, com Vinicius Júnior como a figura mais acionada quando o Brasil tentou progredir. Considerando as poucas chances criadas enquanto o 0 x 0 prevalecia, e que o gol decisivo foi marcado por um volante projetado na área, recebendo a assistência de um meia, fica evidente que a seleção se ressentiu da ausência de seu jogador mais capaz de desrespeitar roteiros. Sem ter de prestar atenção em Neymar, os suíços escalaram um jogador - Rieder - para cortar os circuitos com Vinicius Júnior e foram à luta.

A entrada de Rodrygo, no papel principal, não só deu ao Brasil um jogador com uma queda para o imprevisível - os adversários do Real Madrid nas fases decisivas da última edição da Liga dos Campeões podem dissertar sobre o tema -, como obrigou a Suíça a dividir seu foco. A jogada do gol ter sido construída do lado esquerdo, por três jogadores do mesmo clube, não foi um acaso. A parceria Rodrygo-Vinicius talvez carregue o maior potencial de dano ao adversário de um Brasil sem Neymar, motivo pelo qual a permanência do ex-santista no time faz sentido tanto no período de espera pela volta do craque do time, quanto na eventualidade de Neymar, pós-lesão, não conseguir ser a ameaça que se espera dele.

BRASIL 1 x 0 SUÍÇA: ASSISTA PELA ESPN NO STAR+ AO COMPACTO DO JOGO COM NARRAÇÃO DE PAULO ANDRADE E COMENTÁRIOS DE MÁRIO MARRA

A escalação inicial dessa segunda-feira (28) foi um passo atrás de Tite, que investiu primeiro na solidez que tem garantido a limpeza do uniforme de Alisson, e depois na crença de que o sistema geraria uma vantagem no placar. Embora seja uma combinação adequada para um torneio curto, a seleção tem mais a oferecer. Há ainda o argumento de que passar de uma ideia conservadora a uma postura mais afeita ao risco é menos problemático do que o inverso. Ok, ocorre que, saudável, Neymar é titular com qualquer planejamento, de modo que um cover de Neymar, por lógica, também deveria ser. Rodrygo tem que jogar.

Compreende-se a confiança no retorno de Neymar, do ponto de vista clínico e de desempenho. Mas não há garantias. O Brasil conhece, infelizmente, um Neymar incapaz de ser si mesmo, mas que permanece tentando. É o jogador que o mundo viu na Copa de 2018. Se a recuperação for completa, a comissão técnica da seleção terá um problema a menos para contemplar e os adversários, um problema a mais. Se não for, Rodrygo  é a solução. 

Rodrygo em ação pela seleção na partida contra a Suíça
Rodrygo em ação pela seleção na partida contra a Suíça Getty Images


 

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10 observações de Brasil 1 x 0 Suíça na Copa do Mundo do Qatar

André Kfouri
André Kfouri

1 - Entre repetir o sistema da estreia na Copa do Mundo do Qatar e reforçar o meio de campo, Tite fez as duas coisas. Recuperou a parceria Casemiro-Fred e adiantou Paquetá para o papel de Neymar, ausente. Mais músculo no centro do campo para cuidar de Remo Freuler e Granit Xhaka, mantendo o ataque do Brasil com dois pontas para atormentar a defesa da Suíça.

2 - Os primeiros 20 minutos foram dos suíços, que nada fizeram ofensivamente, mas conseguiram travar o jogo por dentro. O Brasil não sofria, mas não jogava, incapaz de fazer a bola chegar com vantagem aos jogadores que desequilibram. Não era uma dificuldade inesperada, assim como não é inteligente ter pressa para desatar jogos assim. A seleção deveria ter mais volume, sem dúvida.

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3 - A primeira ocasião já poderia ter mexido no placar, mas esbarrou numa finalização defeituosa de Vinicius Júnior. De um ponta ao outro, o lançamento de Raphinha encontrou a estrela do Real Madrid desmarcada diante do gol. Era uma questão de pegar firme na bola e comemorar. Chance perdida e lamentada.

4 - O jogo pedia o que o Brasil não tinha no gramado: o lance imprevisível, que desmonta sistemas fechados em efeito dominó. Os problemas para acionar Vinicius Júnior - um dos objetivos da entrada de Fabian Rieder - eram sérios e evidentes, resultado direto da perda de Neymar. Tite mandou Rodrygo ao aquecimento antes do término do primeiro tempo. 

5 - Rodrygo não é o novo Neymar, mas, nesta noite de Copa contra a Suíça, a esperança era exatamente essa. Além dos atributos para a função, o ex-santista parece ser o tipo de jogador dotado do talento que não se ensina para tornar o nada em algo. 

6 - O gol de Vinicius Júnior - corretamente anulado por impedimento de Richarlison - mostrou do que a Suíça tinha tanto medo. Uma jogada acidentada em que nada saiu como o planejado até o passe de Casemiro, que, por um instante, lançou Vinicius em vantagem contra seu marcador. O gol não contou, mas mostrou o caminho.

7 - Bruno Guimarães já estava em campo, no lugar de Fred. Quando Tite sacou Richarlison e Raphinha, por Gabriel Jesus e Antony, o Brasil jogava instalado na metade suíça do gramado, procurando por onde fazer a bola entrar. Quinze minutos, mais os generosos acréscimos da Fifa, por jogar.

8 - Num aspecto, o segundo tempo era um pouco melhor do que o primeiro. O Brasil corria mais riscos, e a Suíça claramente percebia. Mas seguia o ataque x defesa que dá nos nervos pela insistência que nunca é premiada, seja por falta de sorte ou competência.

9 - Ou quase nunca. Na trama de Vinicius Júnior com Rodrygo (relação promissora), o leve toque para dentro da área buscou o jogador que talvez fosse o menos equipado para uma finalização cirúrgica. Mas Casemiro é quem é, também, por contribuições formidáveis como o chute que tinha o gol estampado desde que partiu. O replay flagrou um leve desvio no traseiro de Akanji, que pode ter sido decisivo para congelar o goleiro Sommer. É o risco de quem opta por tentar a sorte se defendendo assim. A bola acaba encontrando seu destino.

10 - Chances desperdiçadas no trecho final, a principal delas por Rodrygo, travado no último instante. Jogos assim são lutas. A seleção poderia ter feito tudo um pouco melhor, mas está classificada e segue aguardando por Neymar.


A seleção brasileira postada para a foto oficial antes do jogo contra a Suíça, na Copa do Mundo do Qatar
A seleção brasileira postada para a foto oficial antes do jogo contra a Suíça, na Copa do Mundo do Qatar Julian Finney/Getty Images


 

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