Cristiano, o brasileiro que quase largou o futebol, trabalhou em obras de navios e agora joga a Champions League
A palavra “believe” (acreditar, em inglês) no centro da camiseta de Cristiano era bastante chamativa quando iniciamos a conversa de vídeo de quase 30 minutos seguintes. Difícil imaginar um traje mais apropriado para falar de sua história.
Não fosse o verbo ‘acreditar’, o lateral-esquerdo de 27 anos do Sheriff Tiraspol não estaria diante da estreia pela fase de grupos da Uefa Champions League, na qual terá a chance de enfrentar o seu grande ídolo. Aliás, ele sequer estaria jogando futebol profissionalmente, uma vez que o sonho quase acabou precocemente.
Em 2011, Cristiano decidiu não seguir mais no esporte. Depois de teste no Corinthians, passou pelo Operário-PR, Grêmio Prudente... e a coisa não engrenava. A última tentativa foi no Vasco, onde passou poucos meses.
“Depois disso eu decidi parar de jogar futebol, porque na época minha mãe não trabalhava e eu precisava ajudar, e essa decisão foi muito difícil para mim na época”, contou ao blog o jogador.
O lateral então foi ao estaleiro, mas nada de lesão. Ele foi literalmente, trocando o campo pelo porto. Com a indicação do cunhado, Cristiano passou a trabalhar com a manutenção de navios, fazendo serviços como pintura e limpeza de tanque. “Ele me apresentou essa empresa, achei muito bom na época, de carteira assinada, e aproveitei a oportunidade”.
Por dois anos, esta foi a rotina de alguém que parecia ter pendurado as chuteiras. Parecia.
Por meio de um conhecido, o lateral voltaria a entrar em campo para defender o Vitória das Tabocas na segunda divisão do Campeonato Pernambucano.
“Foi uma decisão muito difícil para mim, porque não sabia se iria dar certo ou não, porque eu trabalhando tinha meu salário fixo, poderia ajudar minha mãe até em outras coisas, comprar uma casa. Eu sabia que poderia chegar aonde estou hoje”, afirmou o atleta natural do Rio de Janeiro.
“Ali começou a trajetória de volta ao futebol. Consegui acesso, fui campeão, aí fui emprestado ao Murici, de Maceió, passei pelo CRB, consegui acesso para a Série B”. Ainda teria Bonsucesso, Criciúma e Volta Redonda, onde decolou de vez, com título invicto da Série D e conquista da Taça Rio.
A reviravolta na carreira foi vista por um olheiro do Sheriff Tiraspol, da Moldávia, que acabou contratando Cristiano no meio de 2017. Primeiramente por empréstimo e depois em definitivo.
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O lateral cruzou o mundo e se surpreendeu com o que se deparou. “Quando cheguei aqui, vi campos que parecem mesa de sinuca. São 15 campos de treino e três estádios para jogos oficiais, nunca tinha visto na minha vida”.
Não à toa, o Sheriff domina o futebol local. Fundado em 1997, o clube foi campeão nacional 19 vezes, sendo todas nos últimos 21 anos. Já no nível continental, conseguiu quatro participações na fase de grupos da Liga Europa, sendo a última em 2017-18 – na ocasião, só não avançou ao mata-mata porque levou a pior no confronto direto com o Copenhagen, que também tinha nove pontos.
O clube faz parte de um conglomerado empresarial do ex-policial Victor Gusan, como o Gustavo Hofman apontou em seu blog há alguns anos. Gusan, aliás, é o presidente do time e, segundo Cristiano, muito fã de futebol. "Está presente em todas as partidas".
Paixão pelo esporte à parte, o dirigente sempre depositou sua esperança de ver o time na fase de grupos da Champions, algo que nunca havia acontecido para qualquer clube da Moldávia até esta edição.
“Isso de 'se' aqui nunca teve, o presidente montou o clube para poder chegar à Champions, não sabemos quando podemos chegar, mas nos quatro anos que estou aqui, o foco sempre foi a Champions League.”
Vivendo uma realidade muito diferente dos demais times da Moldávia, o Sheriff também tem uma peculiaridade além da bola. O clube está inserido na Transnístria, uma região separatista do país e que tem justamente Tiraspol como sua capital.
Apesar de a Transnístria não ser reconhecida como independente, ela se vê como tal desde a década de 1990 e tem ligação com a antiga União Soviética, como provam a foice e o martelo em sua bandeira, assim como a presença de estátuas de Lenin.
A região tem até moeda própria – o rublo da Transnístria, enquanto a moeda oficial da Moldávia é o leu moldávio – e a língua falada é o russo, ainda que o idioma oficial da Moldávia seja o romeno. “É muito difícil alguns cartões (de crédito) funcionarem aqui, precisamos ir para Chisinau, que é a capital (da Moldávia) e é mais fácil de usar o cartão lá”.
Fã de Marcelo e sonho com seleção brasileira
Foi assim que em um lugar tão longe Cristiano viu sua carreira ir igualmente longe. Da pintura de navio à Champions League em oito anos, o lateral agora terá a chance de jogar contra Real Madrid e Inter de Milão e visitar estádios como o Santigo Bernabéu e o San Siro. De quebra, terá a chance de encontrar seu ídolo.
“O Marcelo que me inspirou a jogar na lateral-esquerda”, contou Cristiano, que recentemente atuou de forma inédita pela direita. “Até achei interessante. Porque descobri uma nova posição para mim, me senti muito à vontade”.
Seja pela direita ou pela esquerda, Cristiano e o Sheriff, obviamente, não terão vida fácil em um grupo que ainda conta com o Shakhtar Donetsk, justamente o adversário da estreia, nesta quarta-feira. Porém, a trajetória do brasileiro mostra que acreditar é um verbo tão familiar a ele e que vai além desta classificação à fase de grupos da Champions.
Procurado quanto a uma possível naturalização para defender a seleção da Moldávia, o brasileiro não quer aceitar e nem descartar a possibilidade, ao menos por enquanto. Seu foco está no torneio de clubes mais importante do planeta e seu sonho continua sendo a seleção de seu país natal.
“Eu acredito que posso chegar, por isso não dei uma posição ao pessoal do clube, eu pedi para esperar.”
Se ele irá chegar lá, é uma resposta a ser dada nos próximos anos. O que não dá para duvidar é da capacidade de Cristiano em acreditar em seus sonhos.
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