Nunca na história deste país se torceu tanto contra um time como com o Flamengo de Vítor Pereira
Não deixa de ser algo natural existir uma certa torcida contra os mais poderosos, isso em qualquer parte do mundo. Mas o que vemos neste momento no Brasil com o Flamengo de Vítor Pereira é algo singular. Nunca a sensação de “todos contra um” foi tão grande no futebol brasileiro, e por uma série de razões.
Desde sempre o Flamengo é o time de futebol mais popular do país, o que por si só já o torna um gigantesco ímã para “antis” (aqueles torcedores que se alimentam muito do ódio ao rival). Há uma sensação, ainda mais nos últimos anos, de que o rubro-negro é forte demais para a concorrência. Os importantes títulos que o clube conquistou desde 2019 confirmam isso, embora tenha pelo menos uma equipe, o Palmeiras, que esteja conseguindo rivalizar administrativamente, financeiramente e esportivamente com o Flamengo atual. Acontece que a diretoria flamenguista tem dado muitos sinais de soberba, especialmente quando ganha.
A frase “Real Madrid, pode esperar, a tua hora vai chegar”, puxada pelo diretor rubro-negro Marcos Braz, virou piada dos rivais e deve embalar as arquibancadas Brasil afora neste ano (a temporada em que o Flamengo não só não enfrentou o Real Madrid como ainda perdeu do Al Hilal, do Independiente del Valle, do Vasco, do Fluminense...). Braz, mesmo com apoios como o de Romário e com a Nação por trás, não conseguiu se eleger deputado federal e fazer parte da bancada bolsonarista na Câmara dos Deputados pelo PL. Agora, vem enfrentando um forte desgaste (era um dos maiores símbolos do Flamengo arrasador de 2019) até na torcida rubro-negra que o idolatrava. Outras figuras importantes da atual política flamenguista, como o presidente Rodolfo Landim e o BAP (Luiz Eduardo Baptista), por vezes também dão alguns sinais de arrogância, o que a pujança do Flamengo, especialmente nesta fase glamourosa em que o clube fatura cerca de R$ 1 bilhão por ano, talvez possa explicar.
Em campo, alguns dos principais jogadores do Flamengo dão uma ou outra cutucada em adversários. Bruno Henrique soltou o mantra de que o Flamengo está em “outro patamar”, e Gabigol, muito identificado com a Nação, entre outras coisas anunciou o “inferno” para o Atlético-MG. O atacante tão confiante ficou incomodado com o fato de André, do Fluminense, ter apontado o Tricolor como favorito para a decisão da Taça Guanabara. Logo no comecinho do jogo, foi caçar o volante com um pontapé e uma bolada com o jogo já paralisado. Talvez se Felipe Melo tivesse feito o mesmo, seria expulso mesmo com poucos segundos de partida. Após o Flamengo abrir o placar contra o Flu, Gabigol foi para cima de André dizer que ele havia escolhido “o favorito errado”. O ídolo rubro-negro queria que André dissesse que o Flamengo ganharia? O bom volante, agora da seleção brasileira (onde Gabigol não ficou para a Copa nem para este início de ciclo em 2023), não pode confiar no próprio time, que vem fazendo bons jogos? Há muita gente humilde ou sem nariz em pé no time do Flamengo, como Everton Ribeiro, mas outras figuras, como Gerson "Vapo Vapo" ou o próprio Vidal, que chegou faz pouco tempo à Gávea, espalham uma certa imagem de marra e superioridade.
Eu tratei até aqui da diretoria e de parte do elenco de atletas do Flamengo, mas chegou a hora da cereja do bolo: Vítor Pereira. A forma como o treinador português conduziu sua saída do Corinthians e seu acerto com o Flamengo causou indignação e repulsa até em gente que trabalhava com ele. Não são apenas os corintianos que estão secando o trabalho do técnico que mais pegou a fama de traíra no Brasil (a sogra mais famosa do Brasil é a de um português, quem diria). Quase ninguém no mundo do futebol e mesmo da sociedade tolera esse tipo de figura, esse comportamento reprovável que remete ao caráter. O Flamengo tinha todo o direito de não renovar com o bonzinho Dorival Júnior, mesmo com os títulos da Libertadores e da Copa do Brasil. E tinha todo o direito de buscar um treinador que achava ser melhor para evoluir sua boa equipe. Mas talvez nem tenham pensado em como seria a rejeição interna e externa desse técnico.
A decisão da Supercopa entre Flamengo e Palmeiras já foi emblemática nessa união de torcidas contra o gigante rubro-negro. Muitos corintianos (para não dizer todos) apoiaram o grande rival alviverde contra o clube carioca. Há um sentimento forte na Fiel de que o Flamengo com Vítor Pereira é mesmo o time a ser batido e odiado, as rivalidades históricas com Palmeiras e São Paulo estão agora em um segundo plano. Se somarmos as torcidas de Corinthians (segunda maior do país) e Palmeiras (a quarta maior) com as de Vasco (quinta maior), Fluminense e Botafogo (essas duas estão tecnicamente empatadas), veremos que a maior torcida do país neste momento é a contra o Flamengo. Alguém vai dizer que sempre foi assim, pois as torcidas de Athletico-PR, Atlético-MG, Grêmio e Sport, por exemplo, nunca morrerão de amores pelo rubro-negro carioca. Só que nunca houve uma união tão grande de torcidas contra um clube apenas como vemos agora no país.
O Flamengo deve se preocupar com essa colossal rejeição ou deve se orgulhar disso? O Real Madrid é o clube mais vitorioso e poderoso da história, tem mais de 300 milhões de torcedores mundo afora, e talvez mais do que isso de haters. O madridismo é quase tão forte quando o antimadridismo, não só na Espanha, e tudo bem para os merengues. Incomodar os adversários talvez seja mesmo a ideia e o propósito de um time. Não é um crime o que o Flamengo está fazendo ao tentar ser hegemônico, brigando sempre para ter as melhores cotas de TV. Crime, mesmo que não seja doloso, foi a morte dos dez garotos no CT do clube.
O caso, que revoltou todo o país em 2019, voltou à tona agora porque, como mostra matéria do UOL, um engenheiro contratado pelo Flamengo acusou Reinaldo Belotti, o CEO flamenguista, de ter adulterado a cena do local em que os jovens atletas morreram para impedir a perícia de descobrir uma possível negligência no Ninho do Urubu. O clube carioca, em nota oficial, negou que isso seja verdade, mas o fato é que até agora ninguém foi de fato responsabilizado por aquela tragédia nas dependências do Flamengo. Será que não há mesmo culpados pela morte dos meninos? Essa é uma pergunta que deve ser dada devidamente à sociedade. A diretoria rubro-negra não lidou da melhor forma, desde o início, com esse triste caso. Não sei bem como estão todas as famílias das vítimas e a luta deles por justiça. Não é só uma questão financeira, de pagar uma quantia e está tudo certo. Tem a necessidade de identificar eventuais culpados e também um lado moral. Muita gente, com clubismo (o que é deplorável nessas horas também) ou sem clubismo, vê o Flamengo, como um todo, como o responsável pela tragédia. Isso, creio, contribua ainda mais para essa rejeição recorde que vemos no país agora.
Meu pai costuma dizer que o futebol é cíclico, que clubes de futebol vivem como em uma roda gigante, uma hora estão por cima e outra estão por baixo. Na era Pelé, o Santos era o time dominante do país também por ter muito investimento, tanto que manteve o Rei por muito tempo e ainda contratava outros craques, como Carlos Alberto Torres. O Santos atual tem um de seus piores elencos da história, vem de três anos seguidos sem avançar ao mata-mata do Paulista e vai brigar mais uma vez para não cair no Campeonato Brasileiro, o que tem virado rotina. O Flamengo, neste mesmo século em que estamos, brigou mais de uma vez para não cair e ganhou fama de mau pagador. Hoje, está em uma situação invejável que o permite ser favorito em tudo, inclusive em ser o favorito na torcida contra de todos os não-flamenguistas.
Nunca na história deste país se torceu tanto contra um time como com o Flamengo de Vítor Pereira
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