Argentina que brilha no Santos já foi 10 do Boca com 'salário que não pagava nem chuteira'
A 5ª edição do Campeonato Brasileiro feminino começa a conhecer seu campeão nesta quinta-feira, quando Santos e Corinthians disputam a primeira partida da final, às 18h30 (de Brasília). O palco do confronto é a Vila Belmiro, casa das Sereias, que contam com uma arma poderosa na batalha pelo troféu.
Goleadora, guerreira e fã de Riquelme. Esta é Florencia Soledad Jaimes – ou simplesmente Sole. Conterrânea de ídolos do futebol mundial, como Diego Maradona e Lionel Messi, a camisa 9 deixou claro que não é só o sotaque que tem em comum com esses jogadores. A argentina sobra em campo: com 16 gols em 18 jogos, é a artilheira do Brasileiro, com poder de fogo impressionante. Para se ter uma ideia, entre os homens, os artilheiros da Série A de 2016 – Diego Souza, Fred e William Pottker – balançaram as redes 14 vezes ao longo das 38 rodadas.
O caminho até a decisão do torneio nacional não foi nada fácil. De origem humilde no interior de Buenos Aires, jogar futebol profissionalmente não passava de um sonho distante para Sole. Peladeira desde criança, ela passava os dias jogando bola com a "molecada" do bairro. E foi com a sabedoria das ruas que ela aprendeu a nunca desistir.
“Sempre joguei com meninos na rua, porque é muito difícil encontrar meninas. Toda a minha vida joguei com meninos. Uma vez, um homem se aproximou e perguntou se eu tinha interesse em jogar, que poderia me arrumar um teste em Buenos Aires. Eu, obviamente, fiquei feliz. Sempre imaginei que estava bem longe disso, mas queria muito. Tinha 15 anos. Eu fui fazer um teste no River Plate. Quando cheguei no River, não estavam fazendo testes, então não consegui fazer a peneira”, contou.
Desfecho triste para uma viagem de nove horas e uma bagagem cheia de expectativas. Mas Sole continuou: “Eu tenho um irmão que morava em Buenos Aires, e ele me disse: ‘Você não fez essa viagem toda para desistir. Eu vou ligar para o Boca’. E começou a ligar para todos os números do Boca, até conseguir um teste para mim. Treinei por uma semana e fui contratada para o time da base. Depois de umas semanas, me chamaram para treinar com a seleção argentina sub-20. Foi aí que tudo começou”.
Enquanto a caminhada na seleção juvenil começava, o espaço no Boca Juniors era limitado pela forte concorrência no ataque, e o River Plate, rival histórico, voltou a cruzar seu caminho.
A proposta de empréstimo de um ano foi a oportunidade da atacante para jogar mais tempo e conquistar um título nacional. O sucesso fez com que o Boca a chamasse de volta e, pelas próximas quatro temporadas, a rotina de vitórias continuou nos campeonatos nacionais, quando surgiu a chance de jogar a Libertadores da América.
Do Boca veio também a admiração pelo grande ídolo no mundo do futebol: Juan Román Riquelme. “Gosto muito dele. Gosto porque ele é um cara que ajudava muito o time. Sei que ele é meio criticado, na Argentina é chamado de preguiçoso para correr, mas ele ajudava muito. Ele joga com a cabeça. Ele é uma inspiração, também porque sou torcedora do Boca. Dava prazer assistir a ele jogar”. Assim como Riquelme, Sole Jaimes vestiu a lendária camisa 10 em “La Bombonera” pelas seleções inferiores e, assim como o ídolo, seu talento ultrapassou as fronteiras da Argentina.
Os gols pelo continente chamaram a atenção de equipes brasileiras e, em 2014, o Foz Cataratas, do Paraná, se tornou a nova casa de Soledad. Jogando no futebol brasileiro, ela conheceu uma realidade um pouco mais digna de uma profissional de futebol feminino: “O clube que paga melhor na Argentina é o Boca Juniors, mas com o salário não dá nem para comprar chuteiras”, disse.
No ano seguinte, a equipe disputou a final da Copa do Brasil, e o poderoso São Paulo se interessou pelos talentos da atacante. A parceria do clube tricolor com a cidade de Barueri e a falta de pagamento do patrocinador, contudo, fizeram com que o projeto não durasse uma temporada inteira - mesmo assim, tempo suficiente para disputar a decisão do Campeonato Paulista eliminando o Santos na semifinal.
Sole talvez não imaginasse, mas ao final do ano de 2015, ela desceria a serra para se tornar justamente uma das Sereias da Vila. “O time do São Paulo acabou com o feminino e recebi cinco propostas. Decidi ir para o Santos pela camisa, porque era um time muito conhecido e seria muito bom para mim”, contou a jogadora, que mais uma vez teria pela frente a rara oportunidade de atuar em dois grandes rivais.
No Santos, ela recebe condições e estrutura para trabalhar como uma profissional do esporte: “Comparando com a Argentina, vai ver que o Brasil está anos luz à frente no que diz respeito ao futebol feminino. No Santos, eu tenho carteira assinada, tenho alojamento para morar, tem comida todos os dias na mesa para todos os atletas, temos bolsas de estudo na faculdade. Nada disso existe na Argentina. Lá temos que trabalhar para ir ao clube, porque não temos dinheiro para treinar e nos manter”, comparou.
Chega mais um momento de Sole Jaimes provar que a caminhada não foi por acaso. Nesta quinta-feira, na Vila Belmiro, a artilheira da competição terá pela frente o Corinthians na busca pelo título inédito do Campeonato Brasileiro. As peneiras, a admiração por Riquelme e a luta por melhores condições no futebol feminino entrarão em campo junto com a camisa 9 santista. Cada gol de Sole Jaimes é uma conquista pessoal dessa guerreira dos gramados.
Fonte: Maria Victoria Poli para o blog
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