Ano após ano ouvimos uma ladainha de que os Estaduais
não servem para nada, não passam de um estorvo no calendário, que deveriam ser
extintos e que iludem torcedores, especialmente os mais carentes. E ano após
ano a gente vê grandes celebrações pelos títulos estaduais, públicos vultosos
na final, emoção dos campeões e postagens alegres de todo tipo, em especial com
crianças vendo com os pais mais uma conquista do clube do coração (até jornalistas
que malham sistematicamente os Estaduais têm seus 15 minutos que sejam de
celebração com familiares e amigos). É um ciclo que se renova a cada temporada,
a cada geração, mesmo que os mais jovens não tenham vivido a época em que os Estaduais
valiam muito e os torneios internacionais ficavam em um segundo plano no nosso
país.
Estamos vendo em vários Estados uma hegemonia
rara de um determinado time. Começando por São Paulo, o Palmeiras venceu seu terceiro
Paulista em quatro anos. Pela primeira vez em sua história, o alviverde disputou
quatro finais seguidas do torneio, que teve durante muitas décadas o sistema de
pontos corridos. Pouco tempo atrás, após perder de forma polêmica para o Corinthians
uma decisão estadual, Maurício Galiotte, então presidente palestrino, desdenhou
a competição, dizendo que “o Palmeiras é muito maior do que um Paulistinha”. Nós
nos acostumamos no Brasil a chamar os Estaduais no aumentativo: Paulistão,
Gauchão, Baianão etc. De alguns anos para cá, algumas pessoas passaram a usar o
diminutivo para zombar desse tipo de torneio. Foi o que o Galiotte fez quando
perdeu o “Paulistinha”. Só que, quando o time ganha, mesmo um Palmeiras que tem
conquistado Libertadores, Brasileiro e Copa do Brasil, o estádio bate recorde
de público, a diretoria faz camisa especial e festa, técnicos e jogadores
choram, se ajoelham, pagam promessas, se dão banho de água ou outra coisa em coletivas,
a imprensa exalta os recordes e os currículos dos vencedores (aí é “Paulistão”).
Abel Ferreira já é o segundo técnico com mais troféus no Palmeiras também
porque é bicampeão estadual, e o português que dirige muito bem o Verdão não tira
o pé no campeonato teoricamente menos importante da temporada (para muita
gente, superar os rivais estaduais e ser campeão regional é mais gostoso do que
vencer uma disputa como a Supercopa ou mesmo a Recopa).
Abel Ferreira, bicampeão paulista cm o Palmeiras, leva muito a sério o Estadual e virou o segundo técnico com mais títulos na história do clube alviverde
Cesar Greco/Palmeiras/by Canon
Neste século, o Palmeiras havia vencido o
Paulista apenas uma vez até 2020. Tinha triunfado em 2008 quando teve o apoio
da Traffic. Nesta era vitoriosa tendo a Crefisa como grande parceira, o
Palmeiras venceu bastante, mas não deixou de lado o Estadual. Agora, tenta se aproximar
de novo do maior rival em número de títulos (chegou a 25 Paulistas, cinco a
menos que o Corinthians). O Timão só supera o Verdão em taças de Mundial e do
Paulista. Claro que o Mundial tem um peso muito maior, carrega todo um
simbolismo de grandeza, mas torcedor, especialmente os mais acostumados com
vitórias e títulos, querem estar à frente dos rivais em tudo, até em disputa de
bocha e de cuspe à distância.
A cena mais marcante do título carioca do Fluminense
foi a comemoração efusiva de Fernando Diniz, técnico que é tão elogiado quanto
é criticado por sua diferenciada filosofia de jogo. Ele chorou e deu cambalhota
como se fosse uma criança, tirou um caminhão das costas de tanta pressão que sofria
por não ter conquistado ainda nenhum título de expressão. Há quem diga ainda
que ele não ganhou nada, pois venceu “só” um Estadual. Mas no fundo todos sabem
a dimensão histórica desses 4 a 1 com domínio absurdo sobre o Flamengo. Por
mais que os tricolores repitam que “é normal ganhar Fla-Flu”, a forma como o título
veio engrandece e valoriza demais a conquista. Quem viu esse jogo, seja rubro-negro,
tricolor ou neutro, não vai esquecer. O Fluminense é bicampeão em cima do maior
rival, que possui ainda o melhor elenco do país, que ostenta o maior
faturamento do futebol brasileiro, que mantém boa vantagem como a maior torcida
do país, que investiu em treinador estrangeiro mais uma vez, que era o mais
cotado etc. Não é pouca coisa não o que o Flu conseguiu fazer, mesmo com limitações
e com o Fla aproveitando muito revelações de Xerém, como Ayrton Lucas, Gerson e
Pedro.
O Fluminense chegou a 33 títulos estaduais. O
clube tantas vezes campeão está agora quatro atrás do Flamengo. Se nós pensarmos
no poderio rubro-negro e em seu poder de investimento, especialmente nos
últimos anos, a distância não é tão grande assim. E contra o Flamengo o Flu não
tem na prática o mando de campo, pois ambos dividem o Maracanã e basicamente lá
duelam. No ano passado, o Tricolor já impediu o que seria um inédito tetra do
maior rival. Agora, em decisões diretas pelo título carioca, o Flu levou a
melhor sobre o Fla em 1919, 1936, 1941, 1969, 1973, 1983, 1984, 1995, 2022 e 2023.
Isso é história, isso não tem preço. Um time de futebol tem como principal
objetivo alegrar seu torcedor. E, para quem gosta do Fluminense, talvez nada
seja mais gostoso e dê mais orgulho do que castigar o Flamengo através dos
tempos, incomodar aquele irmão ou vizinho rival. Se em São Paulo o Palmeiras conquistou
seu primeiro bi estadual desde 1994, na era Parmalat, o Flu não encaixava dois
títulos seguidos no Rio desde o tricampeonato na metade dos anos 80.
Fernando Diniz chorou e deu cambalhota após o título carioca conquistado de forma brilhante pelo Fluminense em cima do Flamengo
MARCELO GONÇALVES / FLUMINENSE FC
Vamos agora para Minas! O maior campeão do
Estado faturou um tetra. O Galo confirmou seu favoritismo e conquistou pela 48ª
vez a disputa, colocando dez troféus de vantagem agora sobre o Cruzeiro, com
quem briga (até com participação polêmica de fornecedora de material esportivo)
pelo título de “Maior de Minas”. Cada um tem seus valiosos argumentos: mais
títulos internacionais, mais taças nacionais, mais conquistas estaduais,
vantagem no confronto direto, maior torcida, torcida mais apaixonada etc. Estamos
vendo agora a maior hegemonia de um clube em Minas desde o hexacampeonato do
Galo entre 1978 e 1983, o lendário time de Reinaldo. Isso passa bastante pela fase
endinheirada do Galo, que vai inaugurar nesta temporada sua arena, e se explica
também pela derrocada administrativa, financeira e esportiva do Cruzeiro. Por
mais que o América-MG faça um bom trabalho, não alcança o patamar do rival
alvinegro.
O Galo teve mais uma vez como destaque Hulk,
um ídolo nacional hoje em dia, eu diria. A crise após as declarações fortes de
Coudet roubaram muito a atenção na semana decisiva, mas o Mineirão (sempre o
principal palco do futebol mineiro, embora o Independência tenha sido muito importante
para os dois finalistas nos últimos anos) foi de novo o lugar perfeito para a coroação
atleticana. Talvez os próximos troféus venham todos na nova casa do Galo, mas o
Mineirão será sempre uma praia atleticana, assim como o Campeonato Mineiro. O
tão esperado bi brasileiro veio, a Libertadores foi conquistada, a Copa do
Brasil está na galeria do clube, mas não é tudo isso que fará o Galo desprezar o
Mineiro.
Chegou a hora do Rio Grande do Sul, uma “aldeia”
cada vez mais gremista. Pintou o hexa do Tricolor, uma sequência que apenas é
superada na história pelo hepta do Grêmio nos anos 60 e pelo octo do Internacional
na década de 70. O time de Renato Portaluppi superou o Caxias em uma acirrada final
que foi decidida com um pênalti conquistado (cavado) por Luis Suárez, a estrela
uruguaia que vai abrilhantar muito o futebol brasileiro em 2023. Não foi fácil
o título gremista, que não foi invicto por conta da derrota na semifinal para o
Ypiranga de Erechim. É bom lembrar que o Grêmio vem da Série B e que o Colorado
foi vice-campeão brasileiro outro dia. Superar o rival treinador por Mano
Menezes não era uma tarefa das mais simples, mas o Grêmio venceu com méritos o
Gre-Nal e soube ser mais copero no mata-mata.
O Grêmio chega agora a 42 conquistas, apenas
três a menos que o Inter. Aquela diferença larga que o Colorado tinha colocado
no rival e aquela provocação de D’Alessandro e seus parceiros pelos 15 anos sem
títulos importantes dos gremistas ficou no passado. E agora o jogo virou: o Inter
que não conquista nada desde 2016, e com Renato no comando do Grêmio a freguesia
no clássico vem se invertendo (o Inter leva a vantagem histórica, mas nos
últimos anos o Grêmio vem castigando seu maior inimigo seguidamente). Curioso
ver como em poucos meses o Grêmio remontou a equipe e se colocou em uma
situação melhor do que o Inter. Os gremistas não têm taça internacional para
disputar em 2023, mas tudo indica que voltará a disputar essas copas em 2024.
Enquanto isso, vai “brincando” no Brasileiro com Renato e enfileirando
Estaduais.
Uma outra hegemonia estadual que chama a atenção
neste momento é a do Fortaleza. Primeiro, porque trata-se de um pentacampeonato
inédito e sem contestação (o Ceará conseguiu depois de muito tempo ser proclamado
campeão cearense entre 1915 e 1919). Depois, porque os dois rivais estão em
grandes fases, sendo que o Vozão tem tido mais sucesso na Copa do Nordeste.
Claro que o campeonato regional tem valor maior na hierarquia do futebol, mas
essa supremacia tricolor no Estado é algo histórico. O Fortaleza, com o penta
atual, superou o Ceará de vez e é o maior campeão cearense agora: 46 a 45 em trofeús.
Um outro título emblemático no Nordeste veio
na Bahia. O maior campeão do Estado chegou à marca de 50 taças. O Tricolor
superou na final o Jacuipense, uma prova de que o Vitória não vive mesmo uma
fase negativa de sua história (desde 2018 o rubro-negro não consegue nem ser
vice do Baiano). O Bahia tem dado mais importância para a Copa do Nordeste, o
que faz sentido, mas o título estadual serviu para amenizar um pouco a dor
sofrida pela surra histórica que tomou do Sport (6 a 0). O Leão da Ilha do
Retiro está tanto na decisão da Copa do Nordeste (duelo forte contra o Ceará) quanto
na final do Pernambucano (é favorito contra o Retrô de Camaragibe) e pode
ganhar seu 43º título estadual, interrompendo série de duas taças do Náutico.
Se tem um time no país que ganhou fama por
minimizar o Estadual é o Athletico, mas adivinha quem conquistou o Campeonato
Paranaense? O Furacão e algumas de suas estrelas, como Felipão e Vitor Roque,
posaram bem alegres como campeões estaduais. O título desta vez foi conquistado
em cima do Cascavel. Pegando os últimos 8 campeonatos no Paraná, são 5 títulos
do Athletico. Será que dá mesmo para dizer que o Furacão não leva a sério o
Estadual? Pode não ser a prioridade do clube (e não é mesmo), mas ser campeão é
sempre bom. O Furacão está encurtando a vantagem estadual do rival Coritiba. Agora,
são 39 troféus para o Coxa e 27 para o rubro-negro. Se não dá para falar ainda
em hegemonia atleticana no Paraná (levando em conta todos os torneios, isso é
evidente), não dá para dizer também que o Athletico não curte ser campeão em
seu Estado, o que pode ajudar também a conquistar mais torcedores dentro do Paraná.
Em Goiás já dá sim para falar em uma nova
hegemonia ou pele menos em uma nova onda. O Dragão tem colocado fogo na disputa
estadual com o Goiás, maior campeão do Estado com 28 títulos. Pelo segundo ano
seguido, o Atlético-GO foi campeão em cima do rival alviverde. O Goiás não
conquista o Goiano desde 2018. De lá para cá o Dragão se estruturou, investiu e
já faturou quatro canecos estaduais. Chegou a 17 títulos estaduais, deixando
para trás o tradicional Vila Nova, que parou em 15 troféus e está na fila desde
2005. Curiosamente, o Goiás é o único representante do Estado na Série A, sendo
um candidato forte ao rebaixamento. Em contrapartida, o Atlético-GO é um dos
mais cotados para ficar entre os quatro primeiros da Série B e voltar à elite
do país.
Para fechar o giro pelos Estaduais que
possuem time na primeira divisão nacional, vou para o Mato Grosso. O Cuiabá,
fundado em 2001, já virou o segundo maior campeão do Estado. Venceu o União
Rondonópolis na decisão deste ano e chegou a 12 troféus, empatando assim com o
CEOV de Vargem Grande. O Mixto, maior campeão mato-grossense com 24 conquistas,
não levanta a taça desde 2008. Cuiabá venceu 10 dos últimos 13 campeonatos no
Mato-Grosso e virou uma força regional, tendo chegado e permanecido na Série A.
Investimento explica essa guinada que o Dourado vem dando em seu Estado e em termos
regionais (ganhou dois títulos da Copa Verde). Como se vê, resultados e
hegemonias não acontecem do nada. Isso em qualquer lugar.
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