Muita gente ama odiar Rogério Ceni, era assim como jogador e é assim como técnico também
Rogério Ceni é não só um ídolo gigantesco do
São Paulo, mas também um dos principais jogadores da história do futebol
brasileiro. Maior goleiro artilheiro do esporte, dono de inúmeros recordes,
multicampeão, desperta admiração em muita gente pelas suas marcas e sua
liderança, mas sofre uma resistência absurda de muita gente também, sobretudo de
torcedores de clubes rivais do Tricolor. Era assim como atleta e é assim como
treinador. Ver o São Paulo rebaixado com Rogério como comandante talvez seja a
maior alegria possível em 2023 para muitos. Mas vários desses antis já
festejariam a simples demissão de Ceni neste momento.
Quando era goleiro, ele sofria uma espécie de
preconceito. Por tratar muito bem a bola com os pés, era rotulado por alguns
como um arqueiro comum debaixo das traves (o que sempre foi uma grande
injustiça com ele) e por querer aparecer demais (hoje exaltam os goleiros-líberos,
cobram que todos sejam como o Neuer, que sejam como era o Rogério Ceni em seus
tempos como atleta), passando por cima de companheiros e até superiores. Vou
citar como exemplo um trecho de uma coluna publicada na Folha no dia 23 de
março de 2004 por Marcos Augusto Gonçalves.
“A
imagem vai se tornando rotineira: Rogério Ceni, em vistoso uniforme, e depois
de algumas tentativas de acertar um gol de falta, posta-se na intermediária
são-paulina assumindo o papel de líbero. A essa altura o jogo já está
invariavelmente perdido. Mas vale a encenação. Apressadinho, pega a
bola, olha para lá e para cá, faz que passa para ali, depois faz que passa para
acolá, mas acaba mesmo chutando para frente. Beleza. Está “empurrando” o time,
pensam os incautos. Na verdade, o efeito muitas vezes acaba sendo o contrário:
retarda a articulação da equipe, produz mais nervosismo e mais desconcentração. No domingo, na derrota do
São Paulo para o São Caetano, a cena se repetiu. Com o leite já derramado, o
presepeiro guardião da meta do Tricolor estava lá, oferecendo seu show de “garra”
e “liderança” para uma torcida que gosta de chamá-lo de o “melhor goleiro do
Brasil”.”
Um ano depois dessa coluna, Rogério Ceni foi o principal jogador do futebol brasileiro, fazendo dezenas de gols (muitos de falta, não era só batedor de pênalti) e ganhando CONMEBOL Libertadores e Mundial de Clubes pelo São Paulo sendo o melhor atleta das duas competições. Dois anos depois dessa coluna, com Rogério iniciando um período hegemônico do Tricolor no Campeonato Brasileiro (tri genuíno até hoje único, contando o Nacional a partir de 1971), houve a famosa treta entre o arqueiro são-paulino e a jornalista Milly Lacombe, que terminou na Justiça com vitória de Ceni na causa que tratava, sem entrar aqui em detalhes, de sua imagem sendo atacada. As críticas a Rogério, mais especialmente as públicas, passavam a ficar cada vez mais raras com ele ganhando tudo em campo e com ele virando exemplo de líder positivo, símbolo de atleta articulado e inteligente, figura respeitada aqui e no exterior.
Mas a verdade é que uma grande rejeição (para não dizer um certo ódio) a Rogério nunca deixou de existir. Ele poderia ter saído de cena do futebol, poderia ter virado comentarista e criticar os outros, mas preferiu ser treinador, profissão que é vidraça desde sempre. Se como atleta ele já era criticado por dominar o vestiário em excesso, por passar por cima de técnico e por ser personalista demais, imagina com ele sendo o chefe mesmo, com ele sendo o líder de fato do grupo. No atrito entre o jovem Marcos Paulo e o experiente ídolo tricolor, muita gente na mídia ficou do lado do jogador que acabou de chegar ao São Paulo e cobrou a demissão de Rogério por abuso de autoridade, assédio, agressão, por não saber se controlar e comandar etc. Marcos Paulo quebrou a hierarquia e sacaneou o técnico (que é simplesmente um mito no clube) publicamente, mas a imagem que ficou forte (não tem imagem na verdade) é que Rogério extrapolou ao atingir, de alguma forma física e na frente do grupo, um “garoto” que “só” cometeu um deslize virtual, coisa tão comum nos dias atuais. O mesmo Marcos Paulo fez um gol contra o Puerto Cabello que aliviou um pouco a situação de Rogério e depois o abraçou, como o grupo quase todo fez com palavras, basta ouvir o bravo Calleri.
Apesar de o grupo de atletas demonstrar com
declarações e com luta em campo estar com o treinador, Rogério Ceni, no clube em
que é lenda, está na corda bamba agora em vários níveis. As críticas à sua
figura, que eram quase praxe em algum momento (inclusive com ele na seleção
sendo campeão do mundo em 2002) e que rarearam bastante com ele multicampeão e
artilheiro, estão de volta agora com ainda mais peso. A própria Independente,
maior torcida organizada do Tricolor, citou na nota em que pede a demissão de
Rogério que ele tem “erros de atitude e de personalidade” e que “ninguém é
perfeito”. Rogério nunca foi perfeito e nunca será, assim como ninguém. Mas por
que tanta gente detesta sua postura, seu jeito? É algo para pensar. Será por
clubismo? Afinal ele representa demais o São Paulo, clube que em algum momento
se achou o soberano, o “rei da cocada preta”, como a presidente palmeirense Leila
Pereira se referiu ao Flamengo, o “time da soberba” agora. Será porque Rogério
é falso ou tem caráter discutível? Não me parece que seja isso, ele dá declarações
bastante sinceras para os padrões do futebol brasileiro e isso que talvez
incomode algumas pessoas, inclusive dentro do São Paulo, do DM até o
responsável pela piscina.
A fama de arrogante paira desde sempre sobre
Rogério Ceni. Ele sabe disso e não sei se depois de tanto tempo isso o afete de
verdade. O treinador do São Paulo não é santo e já cometeu vários deslizes,
erros e excessos mesmo, mas será que a pena que querem aplicar a ele não é
exagerada? Será que muitos não desejam o mal de Rogério apenas por ele ser uma
figura grandiosa e centralizadora dentro de seu clube? O mesmo tratamento acontece
com outras pessoas desse tamanho no futebol? A ausência de simpatia faz de
Rogério um alvo ainda mais prazeroso? Cobram comando forte de alguns treinadores.
Ceni é criticado por comandar demais. Cobram dedicação de alguns técnicos.
Poucos caras são tão obcecados com trabalho quanto Rogério. Ele já venceu muita
coisa como treinador, procurou estudar, buscar auxiliares estrangeiros, falar outros
idiomas, evoluir, mas a análise rasa diz que ele ainda não é um técnico de verdade,
que ainda estaria preso na figura de jogador ou pecaria se achando maior do que
é em sua função de comandante.
Você quer Rogério Ceni fora de seu clube
porque ele é um treinador limitado e incapaz ou porque ele é um mala como
pessoa? Deixo essa pergunta para os antis. Para você, são-paulino, as questões são
outras. Rogério é o maior culpado pela fase tenebrosa do único clube tricampeão
mundial deste país? Que técnico de ponta ou melhor do que Rogério atualmente aceitaria
assumir este time medíocre do Tricolor, que nem consegue pagar em dia seu
elenco meia boca e que corre sério risco de descenso inédito? Com a saída de
Ceni, os jogadores “pés de rato” vão começar a brilhar, o DM passará a funcionar,
as finanças entrarão em ordem e a política danosa vai parar de atrapalhar a
equipe?
Muita gente ama odiar Rogério Ceni, era assim como jogador e é assim como técnico também
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