#AçãoQueTransforma: Rafaela Silva vai palestrar na conferência de Harvard e MIT
Há um mês, a menina que remou contra a maré das desigualdades desse País para se tornar uma campeã olímpica expôs nas redes sociais o racismo institucional que acabara de sofrer. A judoca Rafaela Silva compartilhou na Internet a péssima experiência vivida ao ser abordada por policiais militares enquanto retornava para casa em um táxi; a atleta teve que descer do carro em que estava, na Avenida Brasil, no Rio de Janeiro, e explicar quem era e o que fazia para policiais que estavam armados e em tom de desconfiança.
"A gente no Rio de Janeiro tem que passar essa vergonha. Preto não pode andar de táxi, porque deve estar assaltando ou roubando?”, desabafou com os seguidores. Com a repercussão do acontecimento, a Polícia Militar, em nota, disse que as declarações da judoca eram injustas e não ajudavam o trabalho de combate à criminalidade. Ora, como se o preconceito e o abuso combatessem alguma coisa! Como se uma ação constrangedora fosse compatível com o lugar que sonhamos em viver, em que o ir e vir não sejam mediados pela intimidação seletiva ou não!
Rafaela não sabia, nós não sabíamos, que algumas semanas depois dessa abordagem abusiva - que parece ser só mais uma corriqueira no Brasil, um crime contra uma mulher negra que lutava, justamente, para denunciar diversos tipos de abusos envolvendo a ação de policiais militares -, colocaria o País nas manchetes dos principais jornais internacionais - alguns citando a vereadora Marielle Franco como um símbolo global. Os dois acontecimentos, separados por poucos dias e pelas manchas de sangue da perda de duas vidas (a de Marielle e do motorista, Anderson Gomes, também assassinado), colocam frente à frente realidades, coincidências, repetições e questionamentos.
Rafaela, uma das atletas que mais admiro da nova geração de esportistas brasileiros, assim como Marielle, cresceu na periferia. Foi criada na Cidade de Deus, uma das mais violentas favelas do Rio de Janeiro, contou com o apoio do projeto social Reação para que pelo esporte mudasse sua realidade, fosse convertida da pedra rara em estado bruto ao diamante precioso lapidado pelo judô. Diamante valioso não apenas pelas grandes conquistas, como ter sido a primeira e única judoca brasileira campeã mundial e ouro olímpico, mas por ter virado um exemplo, uma história de incentivo, de luta e orgulho, um ser humano melhor.
A abordagem a Rafaela Silva não foi o primeiro momento em que a judoca sentiu que sua cor foi fator determinante para a situação de se sentir em estado de vulnerabilidade. Rafa, nessa noite de fevereiro, se juntou aos outros negros que permanecem também vulneráveis a abordagens discriminatórias da polícia, relembrou o sabor amargo que o racismo tem e que ninguém gosta de sentir. Relembrou aquele gosto que já sentiu muitas vezes e que, num dos acontecimentos mais marcantes, quase a fez desistir do esporte em 2012 depois de ser chamada de macaca em dezenas de mensagens recebidas quando perdeu no tatame dos Jogos Olímpicos de Londres. Foi preciso um intenso trabalho psicológico para recuperar a confiança da jovem, para combater as memórias negativas que relacionavam a derrota ao preconceito, para acreditar que poderia ser uma medalhista olímpica.
No ano em que Rafaela Silva ganhava o primeiro ouro do Brasil na Olimpíada do Rio, servindo como exceção na história de muitos que a cercam, os dados do Mapa da Violência de 2016 mostravam que o número de negros assassinados no Brasil tinha crescido 18% em 10 anos, enquanto, no mesmo período, o índice entre pessoas não negras caiu 12%.
Ainda conforme essa pesquisa, a taxa de homicídios por 100.000 habitantes de negros é quase três vezes maior que a de brancos. No Rio de Janeiro, cidade onde a judoca cresceu, um jovem negro tem quatro vezes mais chances de ser assassinado pela polícia do que um jovem branco. É horrível e assustador. Realidade e repetição que fizeram de Marielle, infelizmente, parte dessas estatísticas.
No próximo mês, Rafaela Silva será uma das palestrantes de um evento das tradicionais universidades Havard e MIT, a Brazil Conference at Harvard & MIT (Massachusetts Institute of Technology), organizado anualmente pela comunidade brasileira de estudantes de Boston, nos Estados Unidos, que, desde 2015, reúne lideranças brasileiras para debates. Neste 2018, o tema central será "Ação que Transforma". A proposta é debater iniciativas que estejam acontecendo para ajudar na mudança do País. Além da judoca, outros representantes do esporte brasileiro estão confirmados no seminário, como o velejador Lars Grael e o nadador Clodoaldo Silva.
É uma tema emblemático para um país que tanto carece de mudanças. As trajetórias de Rafaela, de Lars, de Clodoaldo, ou de qualquer outro esportista se conectam com as nossas necessidades diárias de encararmos os pequenos e os grandes desafios, de superarmos. Rafaela, por exemplo, venceu as estatísticas, a violência, a pobreza, o preconceito como negra. Rafaela VENCE - no tempo presente -. A atleta mostra possibilidades para jovens negros da favela ou brancos da zona sul do Rio de Janeiro. Aponta possibilidades para todos nós!
Ao ser abordada por policiais militares, poderia não ter tido a mesma "sorte" que teve, poderia ter o trágico fim de Marielle. Em Havard e no Mit, duas referências de educação, vai poder compartilhar um pouco das angústias de ser brasileira, os questionamentos, as incertezas sobre como alterar esse cenário brutal. Vai poder dividir um pouco de esperança pela sua linda história, a que muitas vezes nos falta. Que atitudes temos que tomar? Que ações podemos desenvolver? Quais vozes ativas temos que ter? Afinal, que ação que transforma? Já ouvi que eu, branca, loira, de origem de classe média, com acesso a educação, não poderia falar sobre uma "luta que não é minha".
É um equívoco, é uma luta de todos nós!
#AçãoQueTransforma: Rafaela Silva vai palestrar na conferência de Harvard e MIT
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