Minha maior honra foi estar com Pelé quando ele recebeu o troféu de Melhor Jogador do Século
A morte de Pelé, por mais que já fosse esperada há algum tempo por conta de sua saúde debilitada, fez com que muita gente refletisse sobre a figura do maior jogador de futebol de todos os tempos. Recebi mensagens de jovens perguntando se ele era mesmo tudo isso, vi gente embasbacada conferindo vídeos dele pela internet agora e percebi gente próxima, pessoas que amo, envolvidas de diferentes formas com a notícia mais temida pelos jornalistas esportivos desde que eu comecei na área há 27 anos.
Desde pequenino, eu sempre tive como premissa que Pelé era inalcançável, um ser único e especial. Meu pai, são-paulino e pelezista doente, me ensinou assim. Ele me contava como ia com alguns amigos ao Pacaembu para ver o Rei. A história que meu pai (Seu Nestor) mais repete é de quando ouviu falar de um garoto bom de bola que apareceu no Santos e que, por causa dele, foi ao jogo e escalou então o muro do Pacaembu só para poder acompanhar o menino. Seu Nestor, humilde até hoje, sofreu um bocado com Pelé nos anos 60, quando o São Paulo ficou na fila. Mas, como amante do futebol e da seleção brasileira, curtiu Pelé do início ao fim, como ele diz com orgulho: “Eu o vi começar”.
Nunca pensei na vida que eu poderia um dia
estar perto de Pelé. Meu pai também não imaginava isso. Mas a vida é
surpreendente e, após eu virar jornalista, tive a chance de encontrar o Rei em
algumas oportunidades. Em todas elas bateu uma enorme emoção, um orgulho que
vai além do profissionalismo. Não costumo ser amigo de boleiros, não me
relaciono pessoalmente com atletas e técnicos, me dou bem mais com ex-jogadores
e ex-treinadores (muitos deles colegas na imprensa). Como não vi Pelé como jogador
na ativa, me senti ainda mais à vontade para pedir a ele um autógrafo para meu
pai. Precisava daquele registro histórico e daquele presente para meu velho.
Pensava no orgulho que meu pai teria de mim por eu ter chegado a entrevistar o
maior de todos.
Especialmente no meu primeiro contato com
Pelé, tive a sensação de estar diante de uma entidade, não parecia mesmo humano,
era algo quase sobrenatural que estava ali na minha frente. Você sabe que está
diante de uma lenda, de um mito, de um ícone, de um símbolo, de uma figura
reconhecida no mundo todo mesmo após dezenas de anos de sua aposentadoria. Demora
um tempo para cair na ficha e se comportar de forma normal. Eu tinha a ideia
exata do privilégio que estava recebendo. E desfrutei bastante desse primeiro encontro
breve com o Rei. Mas haveria outros dois encontros bem mais importantes, tanto
para ele como para mim.
Um desses encontros mais relevantes vou tratar
aqui rapidamente. Foi uma entrega de troféu da IFFHS (Federação Internacional
de História e Estatística do Futebol), que reconheceu Pelé como o maior
artilheiro do planeta. Eu e o amigo André Fontenelle, dois dos brasileiros
colaboradores da entidade com sede na Europa, lutamos com outros companheiros
para que os números e dados dos Campeonatos Paulista e Carioca fossem levados
em conta pela IFFHS. Quando esse nosso pedido foi acatado, a entidade enviou
para o Brasil o troféu referente ao recorde de gols do Rei. Ele nos recebeu
gentilmente (sempre ao lado de seu simpático assessor Pepito) em seu escritório
e fizemos até uma foto oficial juntos para registrar a entrega de mais um troféu
para Pelé.
O momento mais inesquecível que tive com o
Rei aconteceu no final do ano 2000, em Roma, que vivia então o Grande Jubileu
da Igreja Católica. A Fifa criou uma disputa para definir os melhores do
século. A categoria mais falada e a que gerou mais polêmica foi, claro, a de Melhor
Jogador do Século 20, isso muito por conta da rivalidade entre Pelé e Maradona.
Em votação na internet, que começava ainda a engatinhar, Maradona venceu a
disputa com 53,70% dos votos, recebi o resultado em primeira mão de Julio
Grondona, dirigente argentino que era um dos vices da Fifa. A obtenção desses
números talvez tenha sido mesmo o maior furo jornalístico da minha carreira. Uma
enorme repercussão tomou conta do planeta. Seria justo dar o troféu de melhor
do século para Maradona por uma enquete feita na internet que reuniu poucos
milhares de pessoas, muitas dessas jovens que não viram Pelé? Houve até
corrente para Maradona, que deixou Pelé com apenas 15,98% dos votos nessa
eleição pela internet. A Fifa ficou então em uma saia justa, pois ela criou uma
disputa e, mesmo que essa tenha tido um desfecho torto, precisava premiar
Maradona, que tinha relação bastante ruim com a máxima entidade do futebol.
Só que a “Família da Fifa”, então presidida
pelo suíço Joseph Blatter, não abriu mão de dar o prêmio de melhor do século
para Pelé, que sempre esteve muito próximo e alinhado com a entidade que rege o
futebol no planeta. Em uma votação mais reservada que ouviu membros da Fifa, treinadores
e jornalistas do mundo todo, o Rei ganhou com 72,8% dos votos (Maradona ficou
com só 6% dos votos, atrás até de seu conterrâneo Di Stéfano, que teve 9,8%).
Pelé chegou mais cedo para a cerimônia em Roma, em uma espécie de teatro e
estúdio da RAI. Vários dos maiores nomes do esporte estavam ali na primeira
fila e todos faziam questão de saudar o Rei, reverenciá-lo mesmo que de forma
não oficial. Maradona cogitou não ir ao saber que haveria uma divisão do prêmio
de melhor do século, mas chegou quase em cima da hora causando um grande
rebuliço entre os jornalistas e os demais presentes. Ele mal cumprimentou as pessoas,
subiu ao palco para pegar o troféu de melhor do século pela internet, disse que
tinha sido eleito o melhor pelo povo e deixou logo depois o recinto.
Eu estava ao lado de Pelé na entrada do local
da premiação quando Joseph Blatter tentou convencê-lo a receber o troféu de
melhor do século junto com Maradona para mostrar a união da “Família do Futebol”.
Hélio Viana, então sócio do Rei, disse a Blatter que não seria dessa forma de jeito
nenhum, que Pelé receberia o troféu sozinho no palco. Blatter deu então um
sorriso amarelo (parecia se sentir culpado pela votação na internet), não
insistiu e fez o que vimos: consagrou Pelé no final da cerimônia em uma bela
homenagem. Oficialmente, a Fifa proclamou dois jogadores como melhor do século,
mas de forma escancarada colocou Pelé no momento máximo do evento e acima de
todos. O Rei, como de costume, esbanjou carisma e sorriso no fim de tudo.
A cobertura jornalística que fiz nesses dias
em Roma rendeu meu nome na primeira página da Folha de S. Paulo algumas vezes. Eu
dizia que meu maior orgulho profissional era ter feito a cobertura in loco de
todas as Copas do Mundo deste século, mas essa série foi quebrada neste ano
porque não fui ao Qatar. Pouco depois do Mundial, no entanto, veio a triste notícia
do falecimento de Pelé e quase todo mundo que teve algum contato com ele passou
a lembrar com carinho desses momentos mágicos, desses 15 minutos de fama com o cara
que foi eleito o “Atleta do Século”. Logo me veio à mente esses dias de
trabalho e tensão em torno da cobertura do Melhor do Século. O final foi muito
feliz para o Rei e para mim. Profissionalmente e pessoalmente, posso dizer
agora que esse é mesmo o momento máximo da minha carreira, muito por conta do personagem
envolvido. Pelé é o maior de todos!
Meu pai, que me levou nos anos 80 para ver a Copa Pelé (um torneio de masters para exaltar o Rei), estava certo desde sempre, e eu pude dar um
orgulho para ele, que investiu até com o que não tinha para eu poder me formar
jornalista. Eu não pulei o muro do Pacaembu para ver o Pelé jogar, mas eu estive
em duas entregas de troféu para o ilustre homem de Três Corações. Seu Nestor está com 85 anos (nasceu três
anos antes de Pelé) e viu o fim do reinado com tristeza, assim como grande
parte do mundo. Quem ama futebol de verdade ama o Pelé, independentemente de
idade, de nacionalidade, de sexo, de política, de religião, de tudo. Que o Edson
Arantes do Nascimento descanse em paz em Santos. Já o Pelé, o Melhor do Século
20, continuará jogando por mais algumas centenas e milhares de anos, pois ele é,
de fato, eterno.
Minha maior honra foi estar com Pelé quando ele recebeu o troféu de Melhor Jogador do Século
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