Mesmo com VAR só em jogos grandes, FA Cup é mais democrática do que a Copa do Brasil
Se tem uma coisa que as terríveis ações golpistas em Brasília deixaram de positivo, foi uma consciência ainda maior (de quase todas as pessoas, inclusive muitas de direita), de que a democracia é algo valioso demais. No futebol, nada é mais democrático do que as copas nacionais, que abrem a possibilidade de clubes humildes duelarem contra os gigantes e conseguirem assim os seus 15 minutos de fama. Na Europa, isso acontece de verdade, com equipes das mais diversas divisões, algumas até amadoras, ganhando a chance de escalar, em uma temporada, a grande pirâmide do futebol. No Brasil, apesar de a grande copa nacional ter nascido em 1989, ainda há inúmeras restrições para entrar na disputa. Quem joga a Copa do Brasil é sim uma minoria, a elite.
Há muitos anos eu defendo que todos os clubes
do país disputem o nobre torneio de mata-mata. Se são 800 times brasileiros, em
um dia apenas, com um simples mata-mata, 400 equipes já seriam eliminadas. Não seria
tão complicado para a rica CBF permitir a todos do país jogar a sua endinheirada
copa. Claro que com um aumento de fases eliminatórias, possivelmente com as
primeiras promovendo duelos regionais para evitar custos e problemas de logística.
Na França, clubes até de antigas e longínquas colônias jogam sem maiores
problemas. Aqui tudo seria resolvido mais facilmente dentro do território
nacional. Os altos valores que a CBF paga aos primeiros colocados da Copa do
Brasil poderiam e deveriam ser distribuídos para os mais humildes, seria uma forma
mais justa de a entidade que rege o futebol nacional diminuir um pouco a
concentração de renda em pouquíssimos clubes do país.
A FA Cup, torneio mais antigo do planeta,
começou nesta temporada com 732 times, sendo que 640 jogaram as fases prévias.
Ainda temos alguns jogos de replay para fechar a terceira rodada (aquela onde entram
os clubes da Premier League) e já foram realizadas 100 partidas. Mais de 800
mil pessoas foram assistir aos jogos da FA Cup 2022/2023. Quem tem sucesso na
primeira rodada abocanha, fazendo a conversão, mais de R$ 250 mil. O torneio,
que tem uma média de praticamente três gols por partida, é um sucesso dos pés
(dos times menores) à cabeça (dos clubes mais endinheirados). Mas houve um ponto
que despertou críticas dentro e fora da Inglaterra: o uso do VAR em alguns
jogos apenas, notadamente os que têm times da Premier League como mandantes,
além das partidas de semifinal e final.
Eu tenho uma visão um pouco diferente da maioria
das pessoas, como falei no ESPN FC de futebol internacional nesta semana. Para
poder contar com todo tipo de time (grandes, médios, pequenos e nanicos) e permitir
a chance de todos jogarem em suas casas (de acordo com sorteio), não dá para
usar a tecnologia do VAR sempre. Os estádios da maioria das equipes não estão
prontos para receber algumas modernidades. Impedir partidas em campos mais
humildes porque não é possível ter VAR neles seria quase o mesmo que proibir
jogos nesses locais porque eles não possuem iluminação de ponta, vestiários
grandiosos, telão de última geração, gramados no padrão Fifa etc. Bom, então não
deveria ter VAR em partida nenhuma da competição, como defendem alguns? Eu acho
isso errado. Se é possível usufruir do árbitro de vídeo (assim como de outros
avanços e modernidades recentes) em algumas partidas, que isso seja utilizado
sim.
Mas e a isonomia na competição? Não é injusto
um jogo ter VAR e outro ficar sem essa ferramenta? Creio que não. A explicação é simples. Os dois times em campo
têm as mesmas condições: jogam no mesmo gramado, atuam com o mesmo clima e
possuem a mesma arbitragem. Durante mais que um século o futebol viveu muito
bem sem VAR. Então não é o fim do mundo ter jogos ainda sem árbitro de vídeo. O
futebol virou o esporte mais popular do mundo exatamente porque é simples e
democrático. Não temos VAR em muitos lugares mundo afora, nem todos os campeonatos
são a Copa do Mundo, que estreou no Qatar uma tecnologia de impedimento
semiautomático. Tinha para todas as 32 seleções, perfeito, porque assim foi
possível. Em um torneio com mais de 700 times, muitos desses nanicos, não dá
para exigir muita coisa. Isonomia deve sim ser exigida, mas meu ponto é que ela
existe sim na atual FA Cup. Assim como no sorteio um time pode pegar um
adversário forte ou fraco, pode jogar em casa ou decidir fora, ele pode também
cair diante de um adversário com estádio raiz. Não há só arenas modernas e milionárias
em uma copa nacional verdadeiramente democrática. As vantagens continuam sendo
muitas para os clubes mais poderosos com ou sem VAR. Como regras e condições
são iguais para ambos em um jogo, tudo certo.
Eu entro de férias agora e assim estarei até o
fim do mês, assim não irei trabalhar na quarta rodada da FA Cup, que terá,
entre outros grandes jogos, um Manchester City x Arsenal, duelo de líder e
vice-líder da Premier League (pena que sem Gabriel Jesus, lesionado). São
apenas dois duelos entre times da primeira divisão nesta fase. Os outros 14
jogos terão equipes das mais diversas divisões. Temos ao menos um clube da
quinta divisão garantido: o Wrexham, que vai receber o Sheffield United. Outras
duas equipes da quinta divisão ainda estão vivas: o Boreham Wood e o
Chesterfield. Creio que eles estão pouco preocupados com o VAR na FA Cup. Eles
estão desfrutando do torneio como sempre.
O Wolverhampton tem todo o direito de
reclamar da arbitragem contra o Liverpool (coisa que está fazendo), pois
entende que foi prejudicado mesmo com uso do VAR. A ferramenta estava lá para os
dois, assim como estará no jogo da volta, agora com os Wolves como mandantes. Quem
passar para a quarta fase entre Liverpool e Wolverhampton vai pegar fora de
casa o Brighton, também da primeira divisão. Mas quem sabe em uma quinta fase
eles não tenham que visitar o pequenino Wrexham. Espero que não tenha mimimi
nem chororô nesse hipotético confronto porque não vai ter o glamour da Premier
League em um estádio raiz ou porque simplesmente não terá árbitro de vídeo.
Come on! Segue o jogo!
Mesmo com VAR só em jogos grandes, FA Cup é mais democrática do que a Copa do Brasil
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