Então volte no tempo. Volte ao dia 04 de outubro de 2015. A BBC publicava cinco nomes como possíveis indicados para a vaga do demitido Brendan Rodgers. Acho que cabe uma outra volta no tempo. Rodgers havia sido contratado após dar vários sinais positivos. Conteúdo tático, brilho nos olhos, vontade de vencer e aptidão para trabalhar na formação de jogadores eram pontos relevantes para um clube que precisava voltar a andar para frente e que se distanciava de sua grandeza. Não é justo resumir a passagem de Rodgers como frustrante. Com ele o Liverpool lutou até o fim por um título de Premier League e com ele o clube voltou a disputar uma Champions League, mas desde aquele Stoke 6 x 1 Liverpool, ainda no final da temporada 2014/15, a sensação era clara de que o trabalho havia se esgotado e que ele não teria força para encontrar um céu dourado após a tempestade.
Klopp comemora classificação do Liverpool para final da Champions
David Ramos/Getty Images
Os nomes citados pela BBC eram Walter Mazzarri, Jürgen Klinsmann, Frank de Boer, Carlo Ancelotti e Jürgen Klopp. Passados quase sete anos, é incrível como o casamento entre Liverpool e Klopp deu certo e como parece que um foi feito para o outro. Quase quinze dias após sua estreia no clube, Klopp viveu uma noite que talvez seja a mais importante para uma mudança na atmosfera do clube. O jogo, em Anfield, contra o Crystal Palace terminou com vitória do time londrino. Klopp, em entrevista coletiva, se disse triste quando percebeu que após Scott Dann marcar, faltando oito minutos para o fim, vários torcedores preferiram deixar o estádio. O treinador alemão sabia do tamanho do clube, do tamanho do desafio e sabia que o torcedor precisava entender sua participação na caminhada. Vale lembrar qual time Klopp colocou em campo naquela noite: Mignolet, Clyne, Skrtel, Sakho, Alberto Moreno; Can, Lucas; Ibe, Lallana e Coutinho; Benteke.
Trabalhar em uma Premier League, que faz questão de ser midiática e impactante, obrigaria Klopp a conviver com outros grandes figurões do futebol internacional. Jogar contra Arsène Wenger, contra José Mourinho fazia parte do cardápio. O Special One já era um grande vencedor há um bom tempo e Klopp foi perguntado sobre qual rótulo ele gostaria de levar. A resposta, logo na coletiva de apresentação, foi enfática e arrancou gargalhadas dos jornalistas, que no dia seguinte repetiam e descreviam o treinador como o Normal One. Seria impossível pedir que ele fosse discreto, que não chamasse tanto a atenção e que apenas trabalhasse em silêncio para recolocar as coisas no lugar. É verdade que o sorriso cativava mais que o time em campo.
E Klopp foi conhecendo o clube e se tornando conhecido. Os bons jogos se repetiam com mais frequência e a ansiedade também. O clube parecia entender que tudo era uma questão de tempo, mas o torcedor ainda se deparava com jogadores que se doavam ao máximo, mas esbarravam facilmente em suas limitações técnicas. Limitações que custaram títulos de Europa League e de Liga dos Campeões.
Klopp ao lado de Ian Ayre durante sua apresentação no Liverpool em 2015
Andrew Powell/Liverpool FC via Getty Ima
É difícil cravar qual foi o ponto da virada, mas não é difícil ver como ele mudou as vidas de tantos jogadores. Salah era rotulado como um jogador fracassado na Premier League e que só usada a perna direita para subir no ônibus. Sadio Mané era uma promessa que jogava com Grazziano Pellé no Southampton. Sim, os Saints tinham Mané e Pelé. Robertson havia sido rebaixado com o Hull. Arnold era um menino da base que batia bem na bola. Volte o texto e veja qual time ele pegou, imagine quem eram os atuais jogadores do elenco antes de Klopp e abra o mesmo sorriso de satisfação que o Normal One exibe diariamente.
Nem tudo foi fácil. Klopp conviveu com derrotas em campo, com a saída de Coutinho, com o afastamento de Sakho, com uma criação de Superliga, com a pandemia, com a morte da mãe, com o fim de contrato de Can e de Wijnaldum, com as dúvidas sobre a adaptação de Thiago, com o departamento médico lotado de zagueiros (titulares, reservas e improvisados). Klopp poderia estar mesmo exausto, mas ele também viu Robertson ostentar a faixa de capitão da seleção da Escócia, Mané ser capitão, líder e astro em Senegal, viu Salah levar a seleção do Egito até a Rússia, viu o amadurecimento de Arnold, viu um golaço de Alisson, Klopp não viu na hora, mas soube que sua esposa Ulla estava comemorando no meio da multidão, viu a cidade se render e sofrer quando o torcedor Sean Cox foi espancado, viu o 96 virar 97 e, de novo, sentiu que tudo aquilo valia a pena.
Klopp conseguiu. Ele transformou jogadores, mudou a vida daquelas pessoas, observou Alisson, Van Dijk e Fabinho e mudou a estatura de cada um deles no futebol mundial. Os títulos vieram. A tão sonhada Premier League veio após 30 anos e após o Liverpool levantar a sexta Champions. Entretanto, nos últimos meses uma dúvida cobrava noites de sono dos torcedores do Liverpool. O que seria do clube após a saída de Jürgen Klopp? As bases de time e clube estavam totalmente alicerçadas para viver sem aquele sorriso? O Liverpool estava pronto para caminhar sozinho?
Os nomes de Steven Gerrard e de Pep Ljinders, que é auxiliar de Klopp, eram sempre lembrados e Klopp já havia destacado que tinha o desejo de viver um pouco mais distante do futebol, de se permitir um período de descanso. Para a surpresa de boa parte da torcida e da imprensa que cobre diariamente o Liverpool, Klopp um acordou com o sorriso mais aberto ainda e anunciou que o amor ao clube não havia permitido que ele visse um fim de relacionamento assim tão próximo. O treinador, segundo informações, não pleiteou aumento de salário, mas lutou para que todos os seus auxiliares fossem bem recompensados e assinou a renovação até 2026.
A atual temporada é de título da Copa da Liga, de duas outras finais a serem disputadas e de luta para conseguir alcançar o Manchester City na Premier League. Klopp pode até não conseguir e o Liverpool pode somar mais três vices, mas volte ao início do texto e perceba a revolução que o homem do sorriso escancarado alcançou. O Liverpool teve a coragem de ousar e de se adaptar a um treinador e os dois, clube e treinador, são melhores com isso. Não existe transformação só com dinheiro ou com vontade e talvez esteja aí o maior ensinamento.
Hoje o torcedor do Liverpool faz questão de cantar alto uma música dos Beatles, devidamente adaptada para Jürgen Klopp. A letra diz "I'm in love with him and I feel fine. I'm so glad that Jürgen is a Red. I'm so glad, he delivered what he said". Que quer dizer: Eu estou apaixonado por ele e me sinto bem. Eu sou muito feliz que Jürgen é um Red. Eu estou muito feliz que ele entregou o que prometeu.
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